Os limites da arte

Os pais de Pedro Moraleida e o vereador Jair Di Gregório (PP) respondem a quatro perguntas sobre liberdade de expressão artística. O vereador tenta censurar exposição que acontece no Palácio das Artes


Foto: Daniel_Coury

Os limites da expressão artística vêm sendo duramente testado nas últimas semanas. Em Belo Horizonte, tivemos duas tentativas de censura a manifestações artísticas. O deputado estadual João Leite (PSDB) tentou impedir a encenação da peça “O Evangelho segundo Jesus, rainha do céu”, monólogo na qual uma atriz transexual faz o papel de Jesus Cristo. E o vereador Jair Di Gregório (PP) tenta na Justiça cancelar a exposição “Faça Você Mesmo Sua Capela Sistina”, do falecido artista mineiro Pedro Moraleida, aberta ao público no Palácio das Artes, acusando-a de imoralidade e ataque a símbolos cristãos (leia matéria sobre o embate aqui http://www.obeltrano.com.br/portfolio/onda-de-censura-chega-a-bh/). Sobre a polêmica em torno da exposião, O Beltrano pediu ao vereador Di Gregório e aos pais de Moraleida, Luiz Bernardes e Nicéa Moraleida, que respondessem a algumas perguntas sobre sobre censura e limites das artes.

1 – Existam limites para a arte que não possam ser ultrapassados?

Luiz Bernardes e Nilcéa Moraleida – A arte é das mais antigas formas do homem conhecer e interpretar o mundo. Nasce da intuição, do inconsciente e é de natureza visceral; tem um papel fundamental na evolução e no desenvolvimento do conhecimento humano, por seu caráter antecipador dos problemas humanos e sociais. Por isto depende da liberdade de criação e expressão existente na sociedade. Seria inaceitável quando, no máximo, se colocasse a serviço do racismo, do preconceito, da opressão ou do massacre de outros povos ou minorias, da guerra ou da destruição; ainda assim, teria que se basear num juízo ético coletivo e social.

Di Gregório – Sim, a arte não está acima das leis. Há um ordenamento jurídico no país que precisa ser respeitado.

2 – Os senhores acreditam que a exposição em questão seja de alguma maneira ofensiva ou que tenha ultrapassado limites que justifiquem sua censura?

Luiz Bernardes e Nilcéa Moraleida – Não. É preciso interrogar por que não querem que ela seja vista. Os motivos alegados pelo deputado ou pelo vereador não procedem. Não existe ali estímulo à pedofilia, atentado ao Estatuto da Criança ou qualquer das sandices alegadas por eles. Parecem agir por ignorância, má fé ou objetivos políticos pouco defensáveis, que estes censores precisam esconder. A exposição mostra a obra de um artista reconhecido, inclusive fora do Brasil, cujo conteúdo é uma crítica radical do mundo em que vivemos, a cuja defesa estas figuras estão ligadas. O conteúdo do trabalho é uma critica ao consumismo, à desumanidade, à pobreza, à exploração e à opressão. É, mais ou menos, como quando um oficial nazista perguntou ao Picasso se ele tinha pintado o quadro Guernica, que expunha a devastação que os alemães fizeram naquela cidade espanhola e ele respondeu: “Não. Foram vocês”.

Di Gregório – Totalmente ofensiva. Ofende a fé e os valores cristãos e ultrapassa o que é permitido por lei.

3 – Os senhores acreditam que a fé religiosa seja argumento válido para impôr limites às artes?

Luiz Bernardes e Nilcéa Moraleida – Não, até porque toda religião é no fundo uma forma específica de ver, de explicar o mundo e de estabelecer normas de convívio social. Muitas vezes, na História, a fé religiosa teve, infelizmente, um enorme papel na perseguição ao livre pensamento e expressão em todos os campos, da filosofia à ciência, da literatura às artes, da época da Inquisição até as ideias do Criacionismo norte-americano hoje em dia. Em BH, por exemplo, quando era prefeito Juscelino Kubistchek, o bispo da cidade tentou impedir a inauguração da Igreja da Pampulha, diante das pinturas e imagens de Portinari que evocavam símbolos de igualdade relativos à São Francisco de Assis, associando-os às ideias de esquerda do arquiteto Oscar Niemayer e do pintor.

Di Gregório – Quem impõe limites a arte é o arcabouço jurídico do país.

4 – Caso a exposição seja encerrada, o que o senhor diria para aqueles que queriam tê-la assistido?

Luiz Bernardes e Nilcéa Moraleida – Que devemos resistir ao cerceamento das liberdades, que em geral vão numa escalada e sufocam a sociedade. Isto não é um ato isolado, o que se pretende é avançar na construção de um regime fascista no país, e fazer uso eleitoreiro desses episódios; pretendem também desviar a atenção da população do imenso caos a que nos conduziram. Devemos lembrar que já vivemos tempos parecidos no Brasil, e como aqueles, estes também passarão. Mas é preciso manter viva a memória das perseguições e violências para que não se repitam, e divulgá-las sobretudo entre as novas gerações.

Di Gregório – Vocês não perderam nada.