Os moinhos de vento de Daniel Alves


Por Felipe Portes

Parte da psiqué do atleta brasileiro médio consiste em se colocar quase sempre como vítima ou injustiçado. No caso dos jogadores de futebol, daquela classe dos que enriqueceram rápido demais e estão sempre sob pressão por resultados, talvez isso fique um pouco mais acentuado.

Não quer dizer que todo jogador crescesse e aparecesse para o mundo com síndrome de vira-lata, mas alguns deles incorporam demais as críticas naturais recebidas via imprensa ou torcida. E quando falamos de atletas que estiveram presentes em algum episódio traumático, entre os quais o famigerado 7 a 1 sofrido na última Copa do Mundo pelo Brasil é emblemático, a vitimização e o sentimento de que todos estão contra ficam ainda mais exacerbados.

De todos os marcados por aquele vexame histórico e sem precedentes no Mineirão, Daniel Alves saiu-se como o mais polêmico. Não porque teve papel crucial nos gols sofridos ou em virtude de alguma declaração equivocada ou emocionada demais após o jogo. Diferentemente de David Luiz, que até hoje é alvo dos torcedores brasileiros e parece ainda não ter superado totalmente a derrota, Daniel se encontrou confortável dentro do olho do furacão e se colocou a desafiar a imprensa.

Para ele, há algum tempo, a imprensa é responsável pelas mazelas que afligem um profissional com vida pública como ele. Ainda que ele tivesse alguma razão ao criticar a abordagem da imprensa aos atletas, que por muitas vezes transcende os limites do moralmente aceitável, há que se reparar na forma como Daniel enxerga a realidade.

Recentemente, um texto fenomenal de autoria do lateral-direito foi publicado no site Players’ Tribune. Alves menciona seu passado humilde, sua luta até chegar ao futebol profissional e como ele, por vezes, se surpreende por ter chegado onde chegou. Não podemos discutir seu potencial, sua importância para o Barcelona e nem mesmo seus vários títulos, que o colocam como um dos maiores vencedores do esporte. Ainda assim, ele insiste no embate com os mesmos jornalistas que incensam sua carreira, mas que por vezes não concordam com a maneira como ele conduz sua carreira ou suas aparições públicas.

Você pode pensar que é o limite para um homem normal, cansado de ouvir ofensas e palavras duras que o desmereçam, e daí é forçado a dar um resposta. E você, leitor, não estaria errado em tentar trazer à tona o lado humano e suscetível a falhas de Alves. Entretanto, é impossível não fazer um paralelo entre seus desabafos constantes e as indiretas de senso comum publicadas por ele. Difícil não enxergar nessa postura um pouco daquela pessoa que está constantemente bufando de ódio nas redes sociais, dirigindo-se aos seus detratores, aos “invejosos” de cada dia. 

Em seu retorno à Juazeiro, na Bahia, em férias, Daniel parece ter encontrado a paz de espírito e a confiança naturais à uma pessoa bem sucedida. Ninguém pode ou deve tirar isso dele. Para mostrar que sabe cantar, o jogador aparece em um vídeo de seu celular fazendo algumas rimas em meio a uma plantação, lugar onde gastou alguns de seus anos de juventude para auxiliar a família a ter alguma renda. Modesto, de volta às origens, com respeito e humildade, dando valor ao que se tem e ao que foi construído, tudo isso entra na equação do vídeo, um prato cheio para lições motivacionais.

Perdido entre o carismático e o ressentido, ele direciona seu discurso contra o “olho gordo” e rebate os que pensam que “a fama subiu à sua cabeça”. Bonitinho, bem construído, mas recheado de lugares comuns, defeito grave para quem pensa estar revolucionando. Fosse pura superstição o que viveu no futebol durante estes anos, Dani não poderia jamais andar de mãos dadas com a imagem de um vencedor, e sim a de um sortudo ocasional, na hora certa e no lugar certo. Mas está errado: foi a competência para triunfar a cada oportunidade que o fez chegar até aqui. 

Entre moinhos e mais moinhos de vento, Daniel segue em evidência, pregando humildade, paz, respeito e várias outras coisas de cartilha que aprendemos na pré-escola. O Brasil tem um novo Dom Quixote para chamar de seu, um personagem complexo como a própria trajetória. E que, ironicamente, acaba de deixar a Juventus de forma repentina, sem a gratidão que se esperava dele após um ano vitorioso que só não foi melhor pelo desfecho na final da Liga dos Campeões, contra o Real Madrid.

É cedo para cravar se Dani Alves é um herói nacional ou não. O que se sabe, com certeza, é que ele parece se sentir bem nesta posição de vidraça.

Esportes

Felipe Portes

Jornalista, fundador e editor do site Todo Futebol, com passagens por Trivela e Yahoo Esportes.