Os ricos mais ricos e os pobres menos pobres: a força da desigualdade


Por Fabrício Augusto de Oliveira

Estudo de Marc Morgan, do World Wealth and Income Database, instituto de pesquisa dirigido por Thomas Piketty, recentemente divulgado na imprensa brasileira, revela que a desigualdade de renda, no Brasil, não diminuiu, no período de 2001 a 2015, como apontam outros estudos. Estratificando a população em três grupos, os 10% mais ricos, os 50% mais pobres, e os demais de rendimentos médios compondo o terceiro, estimou que a apropriação da renda gerada, no país, pelo primeiro grupo, evoluiu de 54,3%, em 2001, para 55,3%, em 2015, a do segundo de 11,3% para 12,3%, enquanto a do terceiro caiu de 34,4% para 32,4%. Ou seja, enquanto os 10% mais ricos se tornaram mais ricos, apropriando maior fatia da riqueza produzida, os mais pobres se tornaram menos pobres, mas quem saiu perdendo, nessa corrida, foi o que poderíamos chamar de classe média.

Tal resultado não chega a ser nenhuma surpresa, considerando que a metodologia que tradicionalmente é utilizada nessa pesquisa não consegue captar, com confiança, os ganhos de capital (juros, lucros e dividendos, por exemplo) que são obtidos pelos estratos sociais de renda mais elevada, os quais geralmente os omitem ou os subestimam nas entrevistas que são feitas, circunscrevendo-os, em boa medida, aos rendimentos do trabalho. Quando esses demais ganhos são incluídos, torna-se inevitável concluir que a redução da desigualdade se restringiu aos 90% da base da pirâmide, enquanto os muito ricos (os do topo da pirâmide) continuam ainda mais ricos, beneficiando-se de políticas econômicas que os favorecem, caso da manutenção de elevadas taxas de juros e de isenções concedidas ou de redução de alíquotas de impostos que incidem sobre os seus ganhos financeiros e sobre o seu patrimônio.

Isso não significa, há de se deixar claro, que os ganhos de todos os estratos sociais tenham deixado de aumentar neste período, especialmente entre 2003-2010, quando a economia brasileira cresceu à taxa média anual de 4%, e em que a política econômica beneficiou, por meio de vários programas sociais e de políticas favoráveis de reajuste do salário mínimo, os setores menos favorecidos da população. Apenas desmistifica a versão tantas vezes repassada para a população com o objetivo de enaltecer o governo de que o nível de concentração de renda foi reduzido como resultado dessa política, quando, na verdade, essa melhora restringiu-se ao universo de 90% da população pesquisada, ou, seu conjunto, à avaliação dos rendimentos do trabalho.

Reduzir de fato a desigualdade não parece ser uma tarefa fácil, considerando que só o crescimento econômico não é suficiente para isso, à medida que todos os estratos sociais saem ganhando neste processo. Para realmente alcançar ganhos mais expressivos neste objetivo, é necessário não somente estabelecer a cobrança de impostos sobre a riqueza acumulada, ou sobre o patrimônio, visando diminuir o seu poder de apropriação da riqueza futura, mas também estabelecer impostos progressivos sobre os fluxos de renda gerados tanto sobre os rendimentos do trabalho, como, especialmente, sobre os ganhos financeiros que não resultam ou contribuem para a sua geração. O que em momento algum foi realizado no Brasil, mesmo quando comandado por partidos de esquerda, e que os governos, de modo geral, evitam fazer para não contrariar os interesses das classes mais ricas e poderosas da sociedade.

Economia

Fabrício Augusto de Oliveira

Doutor em economia pela Unicamp, membro da Plataforma de Política Social, colunista do Debates em Rede e de O Beltrano, e autor, entre outros, do livro “Política econômica, estagnação e crise mundial: Brasil, 1980-2010”