Pesado é saco de cimento

Segundo dia da Mostra de Cinema tem a exibição de "Arábia", filme que joga o Brasil na sua cara


Por Rafael Mendonça

Exibição de Arábia / Foto: Jackson Romanelli

O segundo dia da Mostra veio cercado de expectativas. No cardápio, a exibição de dois aguardados filmes. “Arábia” de Affonso Uchoa e João Dumans e “Era uma vez Brasília” de Adirley Queiroz. Ambos recém-lançados, circulando por festivais e em breve tentando a sorte no circuito. De lambuja, uma reunião de Congados, blocos e afins e uma exibição de um filme que ainda não havia visto. Uma cinebiografia do “Tim Maia” de Mauro Lima.

Pois bem, fui ver o Tim, é um filme sobre um cara que amo, desde meus 11 ou 12 anos. Um ser que expulsava as pessoas de perto pelo seu temperamento e talento. Uma grande atuação do Babu Santana em um filme comercial: foi uma excelente passada de tarde quente em ar-condicionado.

ARÁBIA

Mais aí veio o Arábia, um filme que te transtorna e mexe com a sensação de que a gente não vive a vida real, mas ela vem, chega pertinho, sem você perceber, e vai cuspir na sua cara. Um filme que mostra você (É, você mesmo!) e mostra o Brasil.

Mostra a batalha do ser humano e o desejo de viver, o ser humano normal, aquele que tem que ralar para comer, viver, vive para pagar contas e conta com o suor de cada dia e a saúde plena. Porque senão vai dar muito ruim no fim do mês.

A viagem como metáfora da existência e a busca de paz e amor, a busca pelo viver do povo brasileiro, essa é minha leitura, um não cinéfilo.

“Tem uma coisa que nós das artes abdicamos de lutar em fazer uma arte popular e a gente meio deixou isso para trás e isso foi uma ambição da arte brasileira. E ser popular nada mais é que querer entender os problemas reais das pessoas, as dificuldades reais e os sentimentos reais. E no Brasil a gente tende a ver o popular como algo pitoresco ou exótico, o que é um problema, pois nessa visão a pobreza sempre vai estar do lado do excêntrico. E nós enquanto jovens criadores não podemos abrir mão de tentar construir uma arte popular.”, argumenta João Dumans.

Uma tremenda mostra de caráter do personagem do Juninho Vende-se, de dignidade de vida mesmo, com seus trupicos, que não são leves. Quando chegam são pesados, assim como alguns erros de nossas próprias vidas. “Ainda respiro” ele sentencia.

“Na verdade, isso começa como um desejo cinematográfico forte que era de fazer um filme narrativo e que tivesse um poder de comunicação, a gente não queria fazer um filme comercial nem um filme cifrado, difícil. Hiperintelectualizado. A gente queria fazer um filme que se comunicasse. A gente queria fazer um filme de relação direta. Franca e honesta com o espectador. Era para a gente um filme de contrapartida política. Um filme que pudesse ser visto pelo trabalhador. Um filme sobre o trabalhador, um filme sobre o explorado sobre o fodido. Então eu quero que seja um filme que o fodido também possa ver e entender. Era um desejo nosso, quase um sonho. E é bom ver que de alguma maneira a gente tem conseguido isso.”, afirma Affonso.

Arábia é um filme sobre o Brasil. Esse Brasil em que nós todos de classe média não nos misturamos, não nos mexemos socialmente. O filme, assistido em uma cidade como Tiradentes, essencialmente turística, onde carrões são usados para andar por quatro quarteirões e o chopp é vendido a R$ 10,00, apresenta um retrato muito instigante do nosso país Isso faz o espectador refletir.

Arábia claramente desloca o nosso conceito de Brasil de forma que nos vemos querendo jogar essa máquina pra frente, ansiando um Brasil melhor. E que mais gente consiga ficar com a Ana… E esse desejo não desce pela goela enquanto você não sai do filme e consegue tomar um copo de cerveja, Brahma de preferência, e um cigarro.

“No paralelo a tudo isso tem uma vontade de ter uma dupla relação com a realidade brasileira. Em que ao mesmo tempo tinha uma história em que a gente consegue mostrar o que estamos passando como nação, como país. Ver isso com uma certa distância. Que fosse contemporâneo, mas ao mesmo tempo universal, que não fosse clichê. Um forma caricata de uma realidade que só pudesse ser entendida dentro dessa realidade. A gente sabe que estamos falando do Brasil de hoje, estamos falando do que a gente vive. Falando desse país. Mas pra ser universal a gente têm que ser honesto com essa realidade porque a gente está falando de algo ancestral. Essa exploração, ela não só acontece em todas as partes do mundo, como ela funda o Brasil.”, continua Affonso.

E o “Arábia” te entope do desejo de integração. E, pra mim, reafirmando: não cinéfilo, achei uma de suas virtudes mais bonitas.

Peço desculpas ao Adirley. Não consegui ficar no cinema. E outra pedrada, que certamente viria com seu filme, poderia ter encurtado e cobertura desta Mostra que já no segundo dia nos arrebata.