Que hora para morrer, Otávio!

Sem a luz de Otávio Dulci, fica difícil manter o otimismo


Por José Antônio Bicalho

Divulgação/ PUC Minas

Poderia ter sido no Bar Brasil 41, mas infelizmente foi no Funeral House. A maior parte dos amigos que encontrei ontem no velório do sociólogo e pensador Otávio Soares Dulci estava também no último ‘bailinho’ do Brasil 41 (nossos eventos festivos de resistência ao golpe em BH), incluindo o próprio, quando dançamos, bebemos e rimos. Mas, ontem, chorávamos a partida prematura e inesperada do grande amigo.

A multidão que acorreu ao funeral reflete a dimensão do grande intelectual, ativista e amigo que foi Otávio. Ali estavam seus companheiros de resistência à ditadura e da fundação do PT, alguns deles eleitos no pleito de domingo. Estavam também seus muitos irmãos e parentes (entre eles, o ex-ministro Luiz Dulci), uma parte vinda às pressas de Santos Dumont, cidade natal de Otávio, outras de Brasília, São Paulo, Rio…

Seus colegas, professores da UFMG e da PUC, estavam quase todos lá, assim como uma legião de alunos do passado e do presente. E amigos, muitos, incluindo um ex-presidente da Fiemg (Otávio não pedia credencial de ideologia aos amigos).

A sala onde o corpo foi velado foi se enchendo de coroas de flores até não caber mais e, lá pelas tantas, os funcionários começaram a colocar as que chegavam em uma salinha contígua, de descanso para a família. Foi uma amiga que alertou a um dos funcionários que a corroa enviada pelo ex-presidente Lula não poderia ficar assim, escondida. Noutra coroa, seus alunos do curso de Relações Internacionais da PUC pregaram bilhetinhos de despedida.

Foto: J. A. Bicalho

“Não aguento mais notícia ruim”, me disse outro amigo, num abraço apertado. “Nem eu”, respondi. Mas, pensando melhor, a morte de Otávio não é só mais uma notícia ruim. Neste momento em que as luzes vão se apagando, em que a onda fascista se agiganta e nos ameaça levar de roldão, é um verdadeiro desastre não termos mais sua inteligência luminosa.

Em momentos de pessimismo como o atual, ouvir Otávio era reconfortante. Sua visão científica e desapaixonada dos processos políticos e sociais sempre descortinava uma série de opções possíveis, de ações necessárias, de possibilidades de reversão, nos injetando otimismo sem inocência.

Maria Eliza – Liliza, agora viúva, me disse ontem que não cabia mais nada na agenda do Otávio para as próximas semanas. Mesmo assim, ele não estava recusando nenhum convite para palestra ou debate. E isso é a cara do Otávio. Quanto maior o terror, mais ele se agitava, mais colocava para si a responsabilidade de jogar alguma luz nas trevas, de levar alguma racionalidade ao caos.

Já me disseram que, durante a ditadura civil-militar, suas aulas na Fafich eram concorridíssimas, que os alunos se apertavam em pé ou sentados no chão. Mas, para além da sala de aula, e isso ele próprio me disse, seu papel principal na resistência clandestina à ditadura foi o de fazer análises conjunturais para grupos de esquerda. Isso significava acompanhar o embate das forças intestinas das estruturas de poder, do exército, do Congresso e do governo, com o objetivo de identificar quem de fato estaria mandando no país, numa época em que a imprensa censurada não dava conta desse papel.

“Mas não foi só na ditadura”, me disse ontem um deputado de esquerda reeleito. “Há anos ele era o nosso principal analista de conjuntura. O problema é que alguns dos seus alertas não foram considerados na estratégia, nas decisões coletivas”, afirmou.

Ontem sondei a família para saber se Otávio teria ficado muito triste com o resultado das eleições de domingo, e se a decepção com o avanço fascista não teria detonado um problema cardíaco. Nada disso. Mesmo militante, Otávio era antes de tudo um cientista e, como tal, enxergava a política como processo. Teria ficado até feliz com o segundo turno. Ai, Otávio, como vai fazer falta seu otimismo científico e a sua risada larga nos momentos difíceis. Vá em paz, caro amigo.