Quem controla a mídia no Brasil

Pesquisa traça perfil dos 26 maiores grupos de comunicação do país, financiados por dinheiro público, religiosos, bancos, agronegócio, logística, energia, esportes e outros donos do capital


Por Lucas Simões

“Em comparação com outros países (…), o Brasil é o pior em concentração da mídia, transparência e controle político da comunicação. De longe, estamos em alerta vermelho máximo”. A afirmação é do pesquisador André Pasti, do Coletivo Intervozes, baseada no resultado da pesquisa “Monitoramento da Propriedade de Mídia no Brasil” (Media Ownership Monitor – MOM), realizada pela Repórteres Sem Fronteiras, em parceria, no Brasil, com o Intervozes.

Trata-se do primeiro mapeamento dos donos de veículos de mídia no mundo e no Brasil, e traça suas relações com setores econômicos. Mostra a concentração da audiência, a privatização do bem coletivo e a quem esses grupos representam. No Brasil, o levantamento realizado durante quatro meses mapeou os 50 maiores veículos de comunicação, dominados por apenas 26 grupos proprietários.

“Há uma particularidade aqui que são cruzamentos de interesses políticos, econômicos e religiosos. Este último em uma crescente. São poucos donos de mídias, mas com interesses muito amplos e que muitas vezes não têm a ver com comunicação. Então, pensamos que é justo o leitor saber quais os interesses de quem produz a informação que ele consome. E por qual motivo”, diz André.

Em terras tupiniquins, cinco corporações familiares controlam os veículos de maior audiência. São elas, Grupo Globo, com nove veículos; Grupo Bandeirantes, com cinco; Rede RBS, com quatro; Rede Record, com três; e Grupo Folha, com três veículos. Além deles, os grupos Estado, Abril e Editora Sempre, essa última de Minas Gerias, controlam cada um dois veículos com as maiores audiências do país, segundo a pesquisa.

Para se ter uma ideia da concentração midiática no Brasil, a soma ponderada das audiências dos quatro maiores grupos de rádio, TV aberta e veículos impressos alcança 74,7% da atenção dos 207 milhões de brasileiros. Sozinho, o Grupo Globo abocanha 43% da audiência nacional, e ainda assim desconsiderando sua audiência na internet, com o portal de notícias mais acessado do Brasil, o que faz a empresa atingir 100 milhões de brasileiros diretamente — praticamente metade da população nacional.

Apesar de o Brasil ter dimensões continentais e diversas particularidades regionais, a pesquisa também mostrou que a mídia por aqui é produzida majoritariamente na chamada “Região Concentrada”, o Sul e o Sudeste do país, que abrigam nada menos do que 80% dos escritórios de comando dos grupos que controlam os 50 maiores veículos de mídias nacionais, distribuídos nas seguintes cidades: 62% em São Paulo, 12% no Rio de Janeiro, 10% em Porto Alegre, 6% em Belo Horizonte e 4% em Brasília.

Diante de tanto poder nas mãos de poucos grupos midiáticos, a pesquisa adotou 10 indicadores para investigar a mídia brasileira, como grau de transparência e intensidade de financiamento político. O resultado constatou que em oito deles o país estaria na categoria de alto risco ou de risco médio para alto. Apenas o indicador Concentração Financeira de Mercado, que avalia a dimensão e influência do poder econômico das corporações de mídia, não pode ser avaliado.

 

INDICADORES DE RISCO.

Isso porque todas as corporações jornalísticas mantêm a sete chaves seus dados sobre desempenho financeiro, estruturas acionárias, lucro e operações financeiras, uma vez que não são legalmente obrigadas a disponibilizá-los — no caso específico da radiofusão, as empresas de rádio e TV que têm concessões públicas devem prestar contas ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) sobre estrutura acionária, fusões e aquisições, por exemplo. Mas não são obrigadas por lei a divulgar esses dados. Prova disso é que dos 50 veículos listados entre os de maior audiência no Brasil, nenhum deles respondeu aos questionamentos feitos pela pesquisa sobre balanços financeiros.

“Nós percebemos uma clara falta de vontade em publicizar dados e informações que remetam a lucros e relações comerciais desses grupos midiáticos. Como vários deles são compostos por várias empresas diferentes, eles não querem mostrar em que investem nem com o que ganham dinheiro. Além disso, tivemos uma grande dificuldade em achar todas as empresas que, por exemplo, têm ações ou investem em determinado veículo. Isso dificulta muito na hora de saber a quais interesses uma informação veiculada em tal jornal pode servir”, diz Olívia Bandeira, pesquisadora do Coletivo Intervozes.

Muito desse cenário está atrelado às relações entre donos dos grupos de comunicações, financiamentos políticos e interesses privados de mercado. Mesmo a Constituição Federal (art.54) estabelecendo que políticos titulares de mandato eletivo não podem ser sócios ou associados de empresas concessionárias do serviço público de radiofusão, pelo menos 32 deputados federais e oito senadores controlam meios de comunicação — mesmo que não apareçam como proprietários formais.

 

AFILIAÇÕES POLÍTICAS

Além disso, a pesquisa “Monitoramento da Propriedade de Mídia no Brasil” mostrou que a publicidade governamental é direcionada a poucos meios de comunicação, sem sequer abranger os principais veículos do país. “Não existe regulação para porcentagem de verba que cada grupo de comunicação deveria receber. Então, como muitos veículos têm relações com agentes do mercado e com políticos, a (distribuição da) verba é desigual e acentua o controle da informação”, explica André.

Os pesquisadores revelaram, por exemplo, que no ano passado a Revista Veja recebeu 50% mais verba publicitária do que sua proporção de audiência. Da mesma forma, o jornal O Globo recebeu 66% a mais, enquanto a Revista Época foi agraciada com um percentual 83% acima de sua audiência proporcional e a TV Band recebeu verbas publicitárias que chegam a ser 95% maiores.

Neste ano, apenas uma campanha do governo Michel Temer, a de aprovação da reforma da previdência, consumiu R$ 100 milhões dos cofres públicos, cerca de 55% do orçamento previsto para todas as campanhas publicitárias do Governo Federal em 2017, de R$ 180 milhões.

INTERESSES DA MÍDIA

Mesmo com a dificuldade de se obter dados, os interesses econômicos dos 26 grupos que detêm os 50 maiores veículos de mídia do Brasil estão muito além da comunicação. Apesar da maioria deles possuir diversos veículos em ramos similares, como rádios, TVs e jornais, os empresários da comunicação também buscam lucros indistintos na educação, previdência privada, transporte, energia, agronegócio e outros. Mas nem sempre deixam claras as relações de todos os seus negócios com a linha editoral dos veículos jornalísticos que possuem.

O Grupo RBS, além de operar 12 emissoras de TV, 15 de rádio e três jornais impressos, incluindo o nacional Zero Hora, também é dono da RBSPrev – Sociedade Previdenciária. Já o Grupo Folha, do jornal Folha de S. Paulo, é dono da empresa de pagamento online PagSeguro e também mantém o UOL edtech, formado por seis empresas que desenvolvem tecnologias e cursos educacionais. A Fundação Roberto Marinho, atrelada ao Grupo Globo, faz dinheiro com o famoso Telecurso, utilizado, inclusive, pela rede pública de educação brasileira, como no programa Educação de Jovens e Adultos (EJA). E o SBT lucra com o sistema de crediário Baú da Felicidade e com o programa de apostas Liderança Capitalização, a conhecida Tele Sena.

 

Um dos grupos de mídia de maior destaque na ramificação de lucros é o Grupo Objetivo, dono de escolas, cursos pré-vestibulares e universidades, como a UNIP – Universidade Paulista. Avaliado em R$ 9 bilhões, o grupo também é dono da Mix Comunicação, composto pela Rádio Mix FM e emissoras de TV. Liderado pelo milionário João Carlos Di Genio, considerado o maior proprietário de imóveis de São Paulo, o Grupo Objetivo ainda se dedica a investimentos no setor agropecuário.

MINAS GERAIS

No mesmo sentido, o Grupo Sada, de Minas Gerais, é liderado pelo empresário italiano Vittorio Medioli, que atualmente também é prefeito de Betim (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, e está cotado para concorrer ao governo de Minas. Os investimentos do grupo, que teve receita de R$ 3,08 bilhões em 2016, vão além de dois dos veículos de maior audiência no país, o jornal popular Super Notícia e o jornal O Tempo.

Em um conglomerado de 30 empresas, Medioli também investe na área de transportes e logística, a exemplo da Deva Iveco, Erta Automotive e SADA Transportes e Armazenagens (responsável pela distribuição nacional de automóveis Fiat); e na área de energia, com as empresas Deva Distribuidora de Combustíveis e SADA Bio-Energia (esta última, mantedora da Usina de Álcool São Judas Tadeu, na zona rural de Jaíba, no Norte de Minas). Além disso, desde 2006, o empresário e político também marca presença na área esportiva, patrocinando e gerenciando o time de vôlei SADA Cruzeiro, atualmente a equipe mais vitoriosa do voleibol masculino.

RELIGIÃO

Um aspecto particular da mídia no Brasil é a relação cada vez mais próxima de religiões cristãs, católica e evangélicas, com os veículos jornalísticos. Dos 26 grupos que controlam os 50 veículos de maior audiência, 9 deles são de corporações religiosas, sendo que cinco transmitem exclusivamente programações religiosas. O mais conhecido é o Grupo Record, do bispo Edir Macedo, também líder da Igreja Universal do Reino de Deus. Além de manter outros veículos de mídia, como o jornal Correio do Povo e o portal online R7, Edir Macedo é proprietário do Banco Renner e do Instituto Ressoar, dedicado a ações de educação, esportes e ação social.

 

Um fato curioso é que a programação religiosa é o principal gênero transmitido pelas redes de TV aberta do país, ocupando 21% do total de programação. A campeã é a Rede TV!, que teve 43,41% do seu tempo destinado a programas religiosos. Em seguida vem a RecordTV, com 21,75%, a Band, com 16,4%, a TV Brasil, com 1,66% e a Globo, com 0,58%. Isso acontece porque, apesar de ser ilegal, é prática comum a venda de horário na grade das redes de televisão, que utilizam concessões públicas para operar.

Para André Pesti, do Coletivo Intervozes, o cruzamento dos interesses particulares dos donos da mídia é fundamental para entender a quem serve as informações veiculadas. “Muitas emissoras vendem horários nas grades para programas religiosos. Esse exemplo é bom para ilustrar uma questão contemporânea do mercado da mídia: ele não é lucrativo em nenhum lugar do mundo. Muitas vezes um canal de TV não dá que não lucro, mas sustenta os interesses de outras empresas do grupo. São várias relações mútuas comerciais que cooperam entre si. Não podemos cair na explicação simplista de que a igreja é dona da mídia, ou o político é dono da mídia. São relações concomitantes porque os principais grupos de mídia são familiares, ligados a políticos de várias gerações, e reproduzem essas relações numa escala diversa de interesses”, diz André.

No site da pesquisa “Monitoramento da Propriedade de Mídia no Brasil” (www.brazil.mom-rsf.org) é possível consultar, em português, todos os detalhes do projeto, bem como buscar informações completas de cada um dos 26 grupos de mídia que controlam os 50 maiores veículos em audiência do país. Neste outro link (www.brazil.mom-rsf.org/br/proprietarios/empresas/), é possível consultar diretamente a lista dos 50 veículos e todas as informações levantadas pela pesquisa.