Seremos nós a derrubar Temer

Contra um governo misógino, a luta das mulheres


Por Camila Bahia Braga

Foto: Karla Boughoff/ CUCA da UNE

No princípio, era o machismo – e assim tem se mantido no governo de Michel Temer. Na última quinta-feira (15/06), mulheres de todo o país se reuniram no 55º Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) para debater o enfrentamento aos retrocessos e a construção de alternativas no cenário de golpe.

O impeachment sofrido pela presidenta eleita Dilma Rousseff, arquitetado por meses e com desfecho em agosto de 2016, sacramentou a exclusão das mulheres das decisões políticas. “Esse golpe tenta dar uma lição àquelas que estavam se levantando, se rebelando. Se é verdade que há um recrudescimento da onda conservadora, neoliberal, também é verdade que a luta das mulheres tem ganhado expressão na América Latina e no mundo”, disse Bernadete Moreira, representante da Marcha Mundial de Mulheres.

A imagem do primeiro corpo de ministérios de Temer composto apenas por homens ganhou o mundo como atestado do conservadorismo, machismo e branquitude de seu governo. Seguiu-se a extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. As mulheres são atacadas, agora, pela ameaça da aprovação das reformas previdenciária e trabalhista, amplamente combatidas.

A proposta de reforma previdenciária prevê a mudança de 55 para 62 anos como idade mínima para aposentadoria de mulheres, e de 15 para 25 anos de tempo de contribuição. “A arenga de que temos que mudar a Previdência, de que ela tem déficit, foi totalmente desmascarada. O que impede o Brasil de avançar para a soberania e gerar emprego é a sangria de nosso dinheiro a favor dos bancos. Com os critérios de hoje, apenas 37% das mulheres conseguem se aposentar. Se a reforma passar, nenhuma mulher vai conseguir se aposentar”, afirmou Márcia Campos, ex-presidenta da Confederação de Mulheres do Brasil. “A reforma trabalhista coloca que para ter acesso à licença maternidade seria necessário o desconto de 10 meses de INSS, ao invés de um mês, como é hoje. Eles querem acabar com a licença-maternidade: ou é ter filho ou é trabalhar”, disse a militante.

Enquanto governos progressistas caminham pela consolidação dos direitos reprodutivos e sexuais das mulheres, como o Uruguai com a legalização do aborto em 2012, o legislativo brasileiro se organiza para votar matérias como o Estatuto do Nascituro e a PEC 29/2015, que proíbe o aborto nos casos já legalizados no Brasil. A proposta altera o texto do 5º artigo da Constituição, alegando a “inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”, o que criminalizaria o aborto mesmo em casos de estupro, anencefalia e risco de vida da mãe.

Lúcia Rincon, presidenta da União Brasileira de Mulheres, analisa que a retirada de direitos atenta contra a humanidade da mulher: “O instrumento que nós formulamos para garantir esses direitos vem de 1995, da Conferência Mundial da Mulher, promovida pela ONU em Nova Iorque, que fazia as mulheres serem consideradas seres humanos. Se você considera que as mulheres são seres humanos com direitos, você tem que considerar que sua vida tem que ser preservada, e que ela tem autonomia sobre essa vida. Com isso ninguém poderia ditar normas para o que fazemos com nossa sexualidade e capacidade reprodutiva”.

Diretas Já

A pauta política feminista está, portanto, centrada na retomada da democracia no Brasil, com a saída de Temer da Presidência e eleições populares diretas, voltando ao povo o poder de escolha de seus representantes. “Para nós, mulheres, a defesa da democracia se coloca ainda mais premente, pois não existe conquista de direitos, abertura de espaços para discutir diferenças, a não ser na democracia”, disse Lúcia Rincon.

A vitalidade da organização, mobilização, ampliação e radicalização das lutas foi defendida por todas as debatedoras. “Sem a luta organizada de trabalhadoras e trabalhadores, sem greve geral, definitivamente não teremos democracia”, defendeu Elisabeth Zorgetz, Secretária-Geral da Juventude Socialista Brasileira Feminista. “Saudando Chico Science, precisamos nos organizar, mulheres, povo, estudantes, para desorganizar o patriarcado e as forças conservadoras”, completou Renata Rosa, da União Brasileira de Mulheres.

O auditório foi incendiado pelas palavras de Indira Ivanise Xavier, da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, que lembrou o sangue de Helenira Resende, vice-presidente da UNE presa, torturada e desaparecida na ditadura militar.

“Nós estamos falando de eleições diretas, mas que eleições diretas vão ser essas se 1.829 parlamentares foram comprados por essas empresas que aí estão? Nós temos sim que exigir eleições diretas, mas temos que chamar essa responsabilidade para nós, e saber que com dinheiro de JBS, Odebrecht, nós não vamos construir democracia nesse país. Nós fomos protagonistas da Primavera Feminista, fomos nós que derrubamos Cunha e seremos nós que vamos derrubar Temer”, afirmou Indira, que integra o Movimento de Mulheres Olga Benário.

Adriana Sales, doutoranda em Gênero e Educação pela UFMS, é a primeira travesti convidada pela UNE, em seus 80 anos de existência, a integrar a programação do Congresso. Para ela, a população trans, cuja luta organizada data de 25 anos atrás, encontrou parceria e acolhimento dentro da perspectiva feminista. “Não há uma pauta mais importante que a outra. Mas estamos em junho e 74 travestis já foram assassinadas este ano no Brasil. Há que se ter um olhar. O momento é de unidade para lutarmos juntas contra o fascismo do golpe, enquanto também lutamos pela volta dos avanços nos direitos de cada população”, disse Adriana.

Greve geral

As mulheres presentes reforçaram o chamado para a greve geral nacional no dia 30 de junho.