Sobre Ariano Suassuna, Ano Novo e esperança


Por Luana Tolentino

Novembro de 2007. Saí correndo do trabalho para ver o grande Ariano Suassuna, que eu conhecia somente através de algumas entrevistas e de sua obra mais famosa – o Auto da Compadecida.

Foram necessários dois ônibus e um metrô para que eu conseguisse chegar até o Palácio das Artes, local da apresentação. Todo esforço valeu a pena. Durante quase duas horas fiquei completamente tomada pelas histórias que o escritor paraibano contou.

Naquela noite, Suassuna arrancou gargalhadas da plateia ao falar de sua aversão à tecnologia. Em seguida, chorou e fez muita gente chorar quando relatou o episódio da prisão e da morte do pai durante a Revolução de 1930.

Foi também naquela noite que ouvi uma frase que desde então me acompanha feito uma oração: “Não sou otimista, nem pessimista. O otimista é um ingênuo. O pessimista é um amargo. Sou um realista esperançoso”, disse Ariano Suassuna.

Faltando poucos dias para o início de um novo ano, só consigo pensar nas palavras do Mestre.

Não é tempo de nutrir ilusões em relação a 2017. O golpe que ainda nos atordoa abriu as portas para um longo período de retrocessos, de crescimento dos índices de pobreza e do acirramento do ódio e da intolerância. Conforme afirmou o sociólogo Boaventura Sousa Santos, com a aprovação da PEC 55, nas próximas duas décadas “as classes mais pobres não podem esperar nada do Estado.” Para Philip Alston, relator da ONU, seremos vítimas de uma verdadeira violação dos Direitos Humanos.

Ao que tudo indica, a “reforma” trabalhista, intitulada por Temer como um “belíssimo presente de natal”, será aprovada no ano que virá, o que representa o esfacelamento de direitos conquistados arduamente pela classe trabalhadora. Como eu disse em outra oportunidade, com jornadas de doze horas de trabalho e divisão das férias em até três períodos, as mulheres que em muitos casos já possuem jornada tripla, serão duramente penalizadas.

Por ora, é o que temos para 2017.

Desde que me entendo por gente, essa é a primeira vez que me sinto constrangida em desejar um ano bom para as pessoas. Me dei conta de que o golpe nos roubou também a fé e a confiança. Porém, apesar do cenário de tristeza e de horror que se avizinha, é preciso ter alguma esperança, assim como Ariano Suassuna ensinou.

E eu tenho.

Outro dia uma zeladora do interior de Rondônia me enviou uma mensagem dizendo que tinha acabado de concluir o curso de Pedagogia. Quando o desalento se abater sobre mim é dela que vou me lembrar.

Com toda a minha força, lembrarei das mulheres negras que no ano de 2016 ingressaram em cursos de mestrado e doutorado. Tenho certeza que elas formarão uma nova safra de “intelectuais insurgentes”, empenhadas em nos ajudar a pensar outros caminhos para o Brasil. Caminhos que permitam a retomada do processo de inclusão que tivemos a felicidade de assistir nos últimos treze anos.

Pensarei nos meus ex-alunos, filhos de um dos municípios mais pobres do país, que hoje estão matriculados em instituições de ensino superior. Muitos deles tem consciência de que a oportunidade que tiveram não foi fruto do acaso ou da misericórdia divina, mas, sim, de políticas públicas. Ontem foram meus alunos, hoje são meus aliados na luta contra as desigualdades e contra o preconceito.

Pensarei nos meus colegas professores que diariamente se empenham em formar cidadãos críticos e participativos, conscientes de que a injustiça é um dos pilares desse país. Desde sempre.

Pensarei ainda em cada pessoa que, de forma individual ou coletiva, lutou contra o ataque brutal a que foi impelida a nossa frágil democracia no ano de 2016.

Que em 2017 não nos falte amor, saúde, trabalho e o desejo de lutar por um Brasil mais justo e humano. E que em nenhum momento, nos falte a esperança de tempos melhores. Para todo mundo.

Feliz Ano Novo!

Vida

Luana Tolentino

Professora e historiadora. É ativista dos movimentos Negro e Feminista.