Sozinho contra Bolsonaro
No auditório da Fumec, 300 apoiadores do deputado Jair Bolsonaro hostilizaram Lucas, a única voz discordante
Por José Antônio Bicalho
Sinto informar, mas eles já enchem um auditório. Ontem, os fanáticos seguidores do deputado federal Jair Bolsonaro (Partido Social Cristão, RJ) lotaram o auditório da universidade Fumec, com capacidade para 300 pessoas, no bairro Cruzeiro, para ouvi-lo. Outros tantos jovens estudantes da extrema-direita ficaram do lado de fora, lamentando-se.
Mas nem tudo são trevas. Outra turma igualmente jovem, claramente mais numerosa, e também mais barulhenta, alegre e colorida, protestou na entrada e na saída de Bolsonaro do prédio da universidade. A associação de ex-alunos da Fumec distribuiu nota de repúdio à presença do deputado. Ensaiou-se uma festa funk no pátio central e o som alto chegou a interferir na palestra, até que alguém da escola desligou a aparelhagem.
Um grande aparato de segurança cercava o pré-candidato. Cinco seguranças particulares e pelo menos uma dúzia de policiais militares, com aqueles grandes cassetetes de madeira, abriram caminho para a saída do carro blindado de Bolsonaro. Ele não falou com a imprensa. Alguém jogou um pedaço de lixeira plástica no carro e uma garota negra foi acusada e detida pelos PMs.
Dentro do auditório, Bolsonaro deitou e rolou, completamente a vontade entre seus pares. Foi recebido aos gritos de “mito” e outras fanfarrices. Uma estranha e mal explicada pré-seleção de inscritos fez com que, na plateia, todos fossem apoiadores do pré-candidato à Presidência. E Bolsonaro soltou o verbo machista, homofóbico, violento e misógino. Destaco algumas pérolas:
Repetiu que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada “por ser muito feia”.
Para negar que seja racista, disse que encontrou uma cientista negra num centro de pesquisas no exterior, e que ela era “muito dócil”.
Disse que, por ele, a idade penal seria reduzida para 14 anos.
Afirmou que não deixará que “os de (ciências) humanas” recebam mais dinheiro público “para fazer exposição pedófila”. Uma referência à exposição Queermuseu, encerrada nesta semana, em Porto Alegre, após protestos da direita.
E Bolsonaro ia nessa toada: “Os esquerdinhas me acusam de querer dar direito para a polícia matar. Pois eu quero sim!”, disse, para delírio dos presentes. Foi aí que apareceu o herói: Lucas I. F., aluno do oitavo/nono período do Curso de Arquitetura da Fumec. Um infiltrado, que entrou no auditório com uma inscrição falsificada. Do meio daquela galerinha raivosa, soltou o grito de “Para de incitar a violência, Bolsonaro!”. Silêncio e perplexidade tomaram conta do auditório por alguns segundos. Na sequência, vaias e berros de ódio, pessoas apontando o dedo para a cara de Lucas e mandando-o ir para Cuba. E Lucas respondeu gritando “Fora Bolsonaro”.
Daí, o próprio Bolsonaro disse que, para mostrar como era democrático, abriria um minuto para Lucas falar ao microfone. Lucas levantou resoluto e caminhou em direção ao palco. Foi contido por três seguranças, que tentaram levá-lo para fora do auditório. Lucas resistiu e disse que processaria a Fumec se tocassem nele de novo. Sentou e gritou mais algumas vezes “Fora Bolsonaro”.
“Senti enjôo real. Vontade de vomitar. Não dava para ficar calado”, me disse depois.
Ao final da palestra e de algumas perguntas protocolares e nada polêmicas, que disseram terem sido formuladas pelos alunos, Marcos Nohmi, Diretor Geral Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde da Fumec, fez uma defesa da tolerância e do debate político sem preconceitos e sectarismo.
Segundo resposta da Fumec ao O Beltrano, “As inscrições foram anunciadas com antecedência no site oficial do evento (http://www.fumec.br/pensandoobrasil/), sendo informado a todos os alunos, professores e funcionários da FUMEC (o evento foi fechado exclusivamente para o público interno da universidade)”. Mas não explicou a coincidência de todos no auditório, fora Lucas, serem apoiadores de Bolsonaro.