Seca e morte na beira do canal

Mesmo perto da transposição do São Francisco, a caatinga se faz presente


10/05/2017

Por Bruno Moreno

 

O terceiro dia da expedição começou cedo. Antes das 6h já estava de pé, mesmo sem despertador. Deve ter sido a ansiedade por rodar pelo canal da transposição, já que no dia anterior eu havia alcançado apenas os primeiros 20 quilômetros.

Arrumei as malas e toquei novamente para a beira do rio para tentar subir o drone. Dessa vez, o vento não estava tão forte, e decolei com segurança tanto na entrada do canal como na primeira estação de bombeamento (EBV-1). Ufa!!

Fui, então, seguindo as águas do São Francisco pelo canal. Pouco depois, antes da EBV-2, está o reservatório Areias, o primeiro de uma sequência de 12 açudes.

Lá encontrei, pescando, o agricultor Cícero José Bezerra, 44 anos, conhecido como Marcos, pais de oito filhos. Morador de Floresta, ele pega os peixes usando uma armadilha simples, feita com garrafa pet, na qual usa como isca uma mistura de fubá com biscoito cream cracker. “Se não colocar o biscoito, eles não vem”, explica.

Naquele dia, ele guardava um balde cheio de piabas, mas garante já ter visto tilápia, pirambeba, corvina e tucunaré. “Rapaz, tem um bocado de peixe aqui, sempre passa. As bombas lá são muito possantes, grandes. Eles estão vindo com as águas”, diz.

Ele me sugeriu ir à outra margem do açude para encontrar alguns moradores. Aceitei a sugestão, mas as casas estavam fechadas e ninguém por perto. Segui rumo, beirando o canal.

Mais à frente, encontrei com um grupamento do exército que está asfaltando a estrada. Com caminhões e tratores, eles abrem caminho do lado esquerdo da calha da transposição.

Pouco depois, avistei um povoado chamado de Roças Velhas. Foi ali que me deram a dica de conhecer a fazenda Favela, onde a situação está crítica. Eu já tinha visto no mapa a localidade “Favela”, mas com a baixa resolução da imagem de satélite não dava pra saber o que tinha lá.

Decidi ir à fazenda, distante cinco quilômetros da calha da transposição. Ao chegar, fui muito bem recebido pelo proprietário, Nelson Gugia, 83 anos. Quase cego em função de catarata nos dois olhos, ele anda com ajuda de uma muleta. A cirurgia que fez não foi suficiente para impedir o avanço da doença.

Quem toca a fazenda são os filhos, principalmente Rogélio Gugia, 43 anos. Nessa seca brava que eles enfrentam há seis anos, o rebanho de caprinos sofreu. “Já morreram cento e muitos”, afirma.

A água da propriedade vem de duas fontes distintas. Um poço artesiano, de 43 metros de profundidade, retira três vezes por dia água para os animais. O líquido salobro também é utilizado para o banho das pessoas da fazenda.

Antes da seca extensa, os animais matavam a sede num açude que há dentro da propriedade. Hoje, no local há apenas pequenos pés de vegetação que não presta nem como pasto. Embrenhado no mato que nasceu no antigo açude estão depositadas carcaças de cabras que não resistiram à seca.

Já a água usada na casa para cozinhar e beber vem de caminhão pipa, uma vez por mês. São 16 mil litros a que eles têm direito, fornecidos pela prefeitura de Floresta.

Eles moravam em uma fazenda onde hoje está o canal da transposição e parte do açude de Mandantes. Apesar de estarem perto da água, estão longe de serem atendidos.

A vontade de Nelson é poder plantar uma hortinha perto do açude, onde ele ainda tem algumas terras. No entanto, ele não sabe se isso pode ou poderá ser feito.

Rogélio reforça a expectativa. “A gente espera esperando uma melhora, pra gente e pros animal. Nem chega a água que Deus manda da chuva, nem do canal. A tendência do cabra não é boa não. Fica triste com essa história. Vê tanta coisa destruída, e a água correndo de um lado pra outro. A gente precisando fazer um ponto de socorro, e não poder”, diz.

Seguindo viagem, passei pela EBV-3 e pelo reservatório Salgueiro, sem avistar ninguém. Nos últimos dois dias não tinha almoçado, e estava decidido a não ficar de barriga vazia naquele dia. Havia comprado um macarrão instantâneo. Imaginava que, com o calor do agreste, conseguiria aquecer um pouco a água ao sol e preparar minimamente o macarrão. Apesar do calor de 34 graus, é óbvio que isso não foi possível, e comi o macarrão meio duro mesmo.

Ao seguir viagem, tive que adotar uma estratégia que ainda não havia sido necessária: dirigir grudado ao canal. Só fiz isso porque havia atoleiros imensos, e não podia arriscar ficar parado no meio do nada, sozinho.

Ao chegar ao asfalto, na PE-360, tomei o rumo de Ibimirim. Já eram 15h50, e ainda precisava arrumar um lugar para dormir. A paisagem árida ia dando lugar a um pouco mais de verde no caminho dessa cidade. Fiquei intrigado para descobrir como isso é possível, e de onde vinha essa água para dar essa cor à paisagem. Encontrei a resposta lá na cidade, o que conto logo adiante.

Ao chegar à cidade, fiquei no hotel da dona Sônia, e jantei no restaurante da dona Lúcia, que gentilmente me convidou para conhecer o açude Poço da Cruz, no dia seguinte.

Lá, descobri que o verde é resultado dos poços artesianos da região, que acessam um aquífero abastecido com chuvas lá da chapada Diamantina, na Bahia.

A refeição servida no restaurante foi ótima e clássica da região: carne de sol (feita por ela), feijão verde temperado com coentro, macaxeira/mandioca/aipim, batata doce, arroz, vinagrete e farofa.

Bem alimentado, peguei rumo de casa, o hotel da dona Sônia, uns 60 metros distante do restaurante.

Amanhã é dia de conhecer o açude Poço da Cruz que, como os outros do Nordeste, está definhando e aguarda, um dia, receber as águas do Velho Chico.