Um parque às margens do rio

O trabalho comunitário para transformar o Ribeirão do Onça em parque linear


Por Juliana Afonso
 
Foto Juliana Afonso
 

Estávamos, Itamar e eu, sentados em um banco de madeira à margem do Ribeirão do Onça, curso d’água que passa por Contagem e Belo Horizonte até desaguar no Rio das Velhas. Há algumas semanas, o local estava cheio de construções que impediam o acesso ao rio. Agora, é possível sentar para ouvir o correr das águas. O lugar estava cheio de pessoas trabalhando na construção de uma área de lazer.

O mutirão comunitário faz parte de um projeto que pretende criar o Parque Linear do Ribeirão do Onça, o maior de Belo Horizonte. Já existe o macro projeto do parque, que deverá ser empreendido pela Prefeitura. Mas, sem paciência para a morosidade do poder público, os moradores começam a tomar para si a tarefa da implantação.

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Construção coletiva

A concepção do projeto só foi possível graças a luta do Comupra (Conselho Comunitário Unidos pelo Ribeiro de Abreu) e diversos parceiros, que pressionaram a Prefeitura ao longo de anos. A população do bairro Ribeiro de Abreu sempre sofreu com inundações no período de chuvas. “A gente levava para a Prefeitura a reivindicação e eles perguntavam de quantas famílias a gente estava falando. Mas levantar esse número tinha que ser responsabilidade da Urbel (Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte)”, diz Danilo Leal da Silva, 28 anos, morador do Ribeiro de Abreu e integrante do Comupra. O estudo foi realizado e apontou a necessidade de realocação de 1,3 mil famílias ao longo do Ribeirão do Onça. Entendeu-se também a necessidade de realizar projetos nas futuras áreas livres para evitar novas ocupações.

Simultaneamente, em 2013, a Prefeitura garantiu R$ 1 bilhão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, para a realização de obras de prevenção de enchentes. Entre as oito obras que integram o “pacotão”, está o projeto “Otimização do Sistema de Macro e Microdrenagem das Bacias dos Ribeirões do Onça, Pampulha e Córrego Cachoeirinha”. Licitado em 2011, o projeto prevê, entre outras ações, o alargamento dos leitos desses córregos. A Caixa Econômica Federal, no entanto, estabeleceu como condição para o financiamento das obras a retirada de todas as famílias das áreas de risco.

Até a data da reportagem, havia sido realizadas 174 realocações. Isso representa 13% do total de famílias que precisam ser reassentadas. Segundo dados da assessoria da Urbel, elas “podem optar pela adesão a unidade habitacional, reassentamento por meio do Proas (o programa municipal de habitação popular) ou pelo recebimento da indenização”. Do total realocado até o momento, apenas duas famílias não optaram pelo reassentamento e estão resolvendo a questão judicialmente.

Mas não é só morosidade da máquina pública. O processo também enfrenta resistências. A Comissão de Participação Popular da Câmara Municipal realizou uma audiência pública no Ribeiro de Abreu tendo a questão das realocações como pauta principal. “A Urbel faz remoções sem indenizar a terra, somente a benfeitoria, o que tem gerado problemas com as famílias”, afirma o advogado Luiz Fernando Vasconcelos, analista social do Programa Mediação de Conflitos no bairro Ribeiro de Abreu.

Projeto

Participaram da estruturação coletiva do projeto o Comupra, o movimento Deixem o Onça Beber Água Limpa, o Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, o Projeto Manuelzão e outros parceiros, a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), a universidade UNI-BH e diversos órgãos da Prefeitura. O estudo listou os equipamentos públicos para uso da população. A ideia de um parque linear começou, então, a tomar forma. Ele teria a função de preservar as margens do ribeirão.

Após um longo processo de consulta popular e elaboração técnica, foi redigido o projeto do Parque Linear do Ribeirão do Onça. Com cerca de 5,5 km de extensão, o parque passará pelos bairros São Gabriel, Vila São Gabriel, Ouro Minas, Vila Fazendinha, Novo Aarão Reis, Belmonte, Ribeiro de Abreu, Conjunto CBTU (Novo Tupi), Conjunto Ribeiro de Abreu, Casas Populares (Ribeiro de Abreu) e Monte Azul. Ao longo do percurso, serão instalados espaços de convivência, pistas de caminhada, ciclovias, quadras, parquinhos, academias, hortas comunitárias, entre outros.

O problema, porém, é dinheiro. Segundo informações da assessoria da Sudecap (Superintendência de Desenvolvimento da Capital), “somente a construção do parque está estimada em R$ 227 milhões e aguarda a viabilização de captação de recursos”. Não contabilizados aí os gastos com realocação das famílias.

Foto Juliana Afonso

O Parque existe

Apesar de os recursos para implantação não estarem disponíveis, as organizações comunitárias envolvidas com a criação do Parque já realizam ações que integram o projeto. “A gente não trabalha com a ideia de que o parque virá. Trabalhamos com a ideia de que ele já existe, existe a partir dos mutirões, da construção de espaços coletivos, da realocação de famílias”, afirma o coordenador geral do Subcomitê do Ribeirão do Onça, Márcio Lima.

A ideia é que os moradores ajudem a construir esse espaço, ainda que essa seja uma responsabilidade da Prefeitura, e sintam que o parque é um projeto que também pertence a eles. Nesse sentido, o Comupra é a organização de maior referência. “Ele sai daquele papel de associação comunitária, que manda ofício e aguarda resposta, e começa a fazer. Eu acho que parte do sucesso se deve a isso”, afirma Itamar, que também é integrante do Conselho.

A primeira ação foi a recuperação da “Nascente Fundamental do Onça”, também conhecida como Nascente Dona Júlia, devido o cuidado de Júlia Machado Amaral, de 64 anos, com o manancial. “Quando vim pra cá e comecei a construir minha casa, aqui não tinha água. Era da nascente que a gente pegava”, conta. Depois que a Copasa chegou ao Ribeiro de Abreu, no final da década de 1980, a nascente ficou esquecida.

Quando Dona Júlia começou a participar do Comupra, em 2013, ela soube do processo de cadastramento de nascentes, realizado pelo Subcomitê do Ribeirão do Onça, por meio do projeto Valorização de Nascentes Urbanas. “Eles cadastraram a nascente por minha insistência. Aí a Prefeitura cercou uma área enorme em volta dela. Então, pensei: ‘dá pra fazer uma agrofloresta!’ Fizemos um mutirão de plantio de mudas de árvores nativas do Cerrado, no ano passado, em 22 de março, Dia Mundial da Água”, conta.

Em novembro, a área do entorno da nascente foi inaugurada e hoje ela é um espaço aberto à população.

Foto Juliana Afonso

Mutirão

A ação mais recente foi o mutirão para a construção de uma área de lazer – a mesma do início da reportagem. O trabalho foi realizado por pessoas da Escola de Arquitetura da UFMG, do coletivo Micrópolis e do Oásis BH, junto com moradores do bairro. “Temos interesse de acompanhar esse processo. Isso aqui é muito bonito, né? Acho que um dos papéis da universidade é atuar nesse tipo de situação”, afirma o professor da Escola de Arquitetura da UFMG, Roberto Andrés.

Durante o mutirão, pneus velhos se transformaram em cavalinhos e pedaços de madeira em gangorras. O espaço, que antes estava cheio de entulho, agora tem brinquedos. “Tá vendo os meninos brincando? Nós queremos é isso! Os meninos estavam socados dentro de casa. Com esse espaço, eles se sentem respeitados, com direito a ter infância”, diz Itamar.

“Eu moro naquela rua ali”, aponta com o dedo para onde acaba de passar um Palio vermelho, modelo antigo, duas ruas acima de onde estamos. “Trinta e cinco anos atrás, quando eu vim pra cá, eu olhava da minha casa e via o rio. Aqui era uma praia. Agora, eu me reencontrei com o rio, consigo ver ele de novo”, conta Itamar de Paula Santos, 58 anos. “Senta aqui e escuta o barulhinho…”, aponta para o próprio ouvido e abre um grande sorriso.