Um passo à frente, dois para trás

Servidores da Rede de Saúde Mental exigem revisão de pontos da reforma administrativa da Prefeitura para a área. Secretário de saúde Jackson Machado nega incongruências do projeto


Por Lucas Simões

Foto: Nicole Marinho

A sanção da reforma administrativa do prefeito Alexandre Kalil (PHS), há três meses, não acabou com as controvérsias. Na área da saúde, profissionais da Rede de Saúde Mental denunciam que a reforma abre brechas para o desmantelamento das ações interdisciplinares, consideradas referência no país. Até o momento, o Executivo se recusa a dialogar com os profissionais sobre mudanças no decreto.

Uma das principais críticas à reforma é a subordinação dos Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam’s), serviços de atendimento aos casos graves e persistentes de sofrimento mental, à Gerência de Urgência e Emergência, responsável pelas Unidades de Pronto Atendimento (UPA’s). Até então, todos os 11 Cersam’s da cidade estava diretamente submetidos à Coordenadoria da Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), sob a presidência de Arnor Trindade.

“Tudo funciona integrado hoje, a partir das diretrizes da saúde mental. Os Cersam’s não têm nada a ver com atendimento das UPAs. Apesar de lidarem também com urgências, são políticas completamente distintas. As pessoas ficam muito tempo vinculadas ao Cersam e a outros dispositivos complementares, (seguindo) um método interdisciplinar diferente das Upas”, diz a psiquiatra Ana Marta, da Rede de Saúde Mental.

Outra medida polêmica da reforma administrativa foi a inclusão das comunidades terapêuticas entre os serviços complementares de assistência médica e psicossocial da Secretaria Municipal de Saúde, através da criação do Comitê Coordenador da Agenda Intersetorial de Prevenção ao Uso Indevido de Drogas. Hoje, a capital mineira conta com cerca de 10 comunidades terapêuticas, a maioria delas ligadas a organizações religiosas e com investimentos privados. Porém, até então não havia nenhum política pública que incluísse as comunidades terapêuticas nas diretrizes de saúde mental do município.

Apesar de terem sido incluídas nas políticas nacionais sobre drogas a partir de 2015, as comunidades terapêuticas são chamadas pelo Conselho Federal de Psicologia (CFC) de “versão moderna dos manicômios”, devido aos métodos terapêuticos e à estreita relação com o lucro. Em uma investigação recente do Ministério Público Federal (MPF) e do CFC, deflagrada entre 16 e 17 de outubro deste ano, foram constatados problemas como internações forçadas e não documentadas, instalações precárias, más condições de higiene, suspeita de trabalhos forçados e até indícios de cárcere privado sem a presença da família em 31 comunidades terapêuticas de todo o país.

“Existem uma série de restrições às comunidades terapêuticas e achamos muito estranho o prefeito querer privilegiar investimentos em instituições privadas. Elas fazem um trabalho atrelado à religião e de cunho privado, contrariando o Estado laico, enquanto o próprio serviço público precisa de investimentos básicos. Falta roupa de cama, toalha, travesseiro e, claro, gente para trabalhar. É nisso que precisamos investir”, diz a psiquiatra Ana Marta.

Outra crítica dos trabalhadores de saúde mental é que a reforma administrativa não prevê investimentos ou incrementação detalhada da estrutura de dispositivos públicos, como os Cersam’s, os Centros de Convivência, o projeto Arte da Saúde, voltado para jovens de 6 a 18 anos, o Consultório de Rua e os serviços de residência terapêutica, dedicados às pessoas que estiveram internadas nos antigos hospitais psiquiátricos por décadas.

“Esses e outros serviços da rede, que são todos públicos e precisam de investimentos, não são de maneira nenhuma citados no decreto, o que impossibilita a gente saber se haverá investimentos reais nos serviços públicos que precisam. Os que aparecem no texto são citados de maneira descaracterizada e insuficiente”, completa Anna Laura, trabalhadora da Rede de Saúde Mental.

Diálogo

Neste mês, trabalhadores da área de saúde mental aprovaram uma série de propostas na Comissão de Saúde da Câmara Municipal, realizada no dia 9 de novembro, numa ampla discussão sobre as modificações introduzidas pela reforma administrativa. Todas as sugestões foram encaminhadas ao prefeitos, mas até hoje não houve resposta do Executivo. Entre as propostas do servidores está a modificação do decreto, de forma a assegurar a integração e a articulação da rede de saúde mental do município e a revogação do trecho que inclui as comunidades terapêuticas entre os serviços da rede.

Nesta quinta-feira (30/11), o Conselho Municipal de Saúde realiza uma nova plenária sobre a política municipal de saúde mental, na qual os servidores cobrarão uma reunião com o prefeito Alexandre Kalil.

O secretário municipal de saúde, Jackson Machado Pinto, nega que a reforma administrativa contribua com o desmantelamento da política integrada para a saúde mental. Procurado pela reportagem, ele se limitou a dizer que “não haverá qualquer prejuízo ou alteração às reconhecidas políticas de saúde mental praticadas pela Prefeitura”.