Uma agenda econômica de esquerda
Bresser-Pereira roda o país para pregar o desenvolvimentismo
Por José Antônio Bicalho
Enfim, uma proposta de agenda econômica de esquerda para o Brasil. A iniciativa coube ao ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira (Fazenda, no governo Sarney, e Administração e Ciência e Tecnologia, no governo Fernando Henrique Cardoso).
Ele vem rodando o país para tentar convencer políticos, partidos e governantes da necessidade de mudança na condução da política macroeconômica. Por conta de sua peregrinação, Bresser foi apresentado em recente matéria do jornal francês Le Monde como um “Dom Quixote brasileiro”.
São cinco os pontos principais do documento “Projeto Brasil Nação”, lançado por Bresser: responsabilidade fiscal; desvalorização do real; redução das taxas de juros; investimento em infraestrutura e distribuição de renda.
Seguidor das teorias do desenvolvimento, que tem como o keynesianismo por base, Bresser-Pereira se diz um pensador de “centro-esquerda”. “Mas, para elaborar o Projeto Brasil Nação, chamei alguns amigos bem mais de esquerda do que eu”.
Segundo Bresser-Pereira, o que se tenta é inverter o regime liberal de política econômica implantado na década de 90 e, até hoje, não modificado em sua essência, mesmo nos governos Lula e Dilma. A ideia é municiar teoricamente um futuro governo de esquerda para a adoção de uma política econômica desenvolvimentista.
Tentar influenciar o atual governo Temer a mudar os rumos da economia está fora de questão. “Não dá para conversar com quem faz populismo neoliberal”, diz.
A seguir, a entrevista concedida por Bresser-Pereira ao O Beltrano.
Por que um projeto econômico para o Brasil?
Estou muito preocupado com a crise econômica, política e moral na qual o Brasil se encontra. Entendemos que esta é fundamentalmente uma crise de nação. Nós não temos um projeto de Brasil e, por isso, nossas taxas de crescimento são muito baixas desde 1990. Desde que a distribuição de renda parou de melhorar, vivemos numa crise política que se expressou em termos de ódio.
Por que o Brasil parou de crescer?
Na década de 1980, devido a uma grande crise financeira, oriunda da dívida externa, e pela alta inflação. E desde 1990, quando foi feita a abertura comercial e financeira, a taxa de câmbio ficou apreciada no longo prazo e a taxa de juros, alta demais. Até hoje esse regime liberal de política econômica, implantado em 1990, não foi modificado. Isso não produz nem crescimento nem distribuição.
O que vocês estão propondo para modificar esse quadro?
Neste manifesto do Projeto Brasil Nação nós discutimos a crise, falamos dos valores gerais da sociedade brasileira relativos à igualdade, à liberdade, à justiça social e à proteção do meio ambiente. E escolhemos uma área para fazer um projeto mais específico, que é o projeto econômico. Nesta área definimos cinco pontos que achamos fundamentais para o Brasil retomar o desenvolvimento, um alcançamento que o Brasil não faz desde 1980.
Quais os pontos principais dessa agenda?
Precisamos garantir que a política econômica do governo obedeça a cinco pontos: o primeiro é a responsabilidade fiscal. É importante que o estado só faça expansão fiscal com a compra cíclica. Nós achamos um grande equívoco, e chamamos isso de populismo de esquerda, quando uma pessoa pensa que ser progressista ou Keynesiano é só gastar, sem responsabilidade. Isso não funciona. Inclusive vimos isso de maneira dramática recentemente, onde não o Lula, mas a Dilma, em seus quatro anos de mandato, especialmente nos últimos dois anos, praticou uma política que gastou mais do que podia. Diminuiu a receita do Estado e não promoveu desenvolvimento. Quando chegou no final do primeiro mandato, e estourou a crise, era preciso fazer uma expansão fiscal forte. Mas o Estado já estava quebrado, com um déficit primário muito grande. Ficamos imobilizado e isso é um absurdo. Mostra que o que é importante é ter uma regra fiscal, mas não essa absurda que foi aprovada pelo congresso nesse governo Temer, que não faz sentido. Isso não é reajuste fiscal, isso é populismo neoliberal, é querer reduzir o estado a todo custo.
Quais os outros pontos?
O segundo é uma taxa de câmbio que torne competitiva as boas empresas industriais brasileiras. Aquelas que utilizam tecnologia no estado da arte mundial. No Brasil a taxa de câmbio é determinada fundamentalmente pelas commodities. Ou seja, a taxa de câmbio é aquela que torna lucrativa a exportação de commodities: minério, soja, laranja, café… Como essas commodities se beneficiam dos recursos naturais abundantes e baratos, podem ser exportadas por uma taxa de câmbio substancialmente mais apreciada do que aquelas que tornam competitivas as empresas industriais. Nós precisamos investimento. Como o empresário vai investir se ele sabe que sua produção não vai ser competitiva?
E quanto aos juros?
Este é o terceiro ponto. A taxa de juros deve ser baixa. Mas verdadeiramente baixa, não em torno de 5,6% reais, mas de 2% reais. Não digo zero por cento como nos países ricos. A taxa de câmbio não é meramente vontade política ou do Banco Central. A taxa que deveria existir no Brasil, do ponto de vista econômico, é a taxa natural, ou neutra. Aquela que é igual à taxa de juros internacional dos países ricos, mais o risco Brasil. Hoje, o que vemos é o Estado brasileiro capturado por elites rentistas. Em vez de favorecer os capitalistas empresários, defende os capitalistas rentistas, os que vivem de juros.
E isso inverte a lógica do desenvolvimento, não?
Sim. Os investimentos param. E esse é o quarto ponto da nossa proposta, a promoção dos investimentos. Eles devem ser fundamentalmente centrados no setor privado, que deve realizar entre 75% e 80% de todo o investimento. Mas o estado também deve investir, mas basicamente em infraestrutura.
Qual o quinto ponto, que fecha a proposta?
A distribuição. Nós não acreditamos que se faça distribuição a partir de gasto irresponsável. Acreditamos que a distribuição acontecerá ampliando o ‘estado de bem estar social’ e gastando mais em educação e saúde, principalmente. Para isso é fundamental tornar o sistema tributário brasileiro progressista. É impressionante como isso faz diferença. Nós sabemos que a Suécia é um dos países mais igualitários no mundo, e que, entre os ricos, os EUA é o pior e mais desigual. Se você ver o índice de GINI, que é o índice de distribuição de renda, a taxa da Suécia e dos Estados Unidos antes dos impostos é quase igual. A Suécia consegue uma boa distribuição da renda depois de cobrado os impostos dos mais ricos. No Brasil, os ricos precisam pagar mais imposto que os pobres, e isso é óbvio. Isso não vai desestimular ninguém a produzir.
Com quais partidos e políticos o senhor tem conversado sobre essas ideias?
Entre os possíveis candidatos, conversei com o Ciro Gomes, um homem muito competente e muito a par de tudo isso. Também conversei com (Geraldo) Alckmin, que se mostrou interessado e me convidou para um almoço, onde conversamos. Eu disse para o Lula que ele deveria se interessar pelo assunto bem detalhadamente, tomar nota.
O atual crescimento da dívida pública não pode inviabilizar sua proposta desenvolvimentista?
A única solução para a dívida pública é pagar. Não é possível renunciar a dívida e essas bobagens. Nós diminuiremos a dívida pública se abaixarmos os juros.
A ideia é colocar esse projeto em prática a partir das eleições?
A ideia é que os políticos e as elites econômicas leiam o projeto, discutam e comecem a pensar. É um projeto de esquerda, por que sou uma pessoa de centro-esquerda e as pessoas que me ajudaram nesse projeto são um pouco mais a esquerda do que eu. Mas você não precisa ser de esquerda. É um projeto desenvolvimentista, e não um projeto liberal, que acha que basta que o Estado garanta o equilíbrio fiscal e a propriedade dos contratos. Isso é uma bobagem e não funciona em lugar nenhum. E isso não funciona no Brasil há muitos anos, desde 1990.
Você não acha que é um projeto compatível com o PSDB?
Não. É incompatível para o PSDB, por que ele é um partido que defende o liberalismo econômico de forma muito forte. Mas o Alckmin estava interessado. Conheço ele muito bem. É um homem sério, pegou seu caderno e tomou notas. Agora é outra história se fazer o que estamos propondo, caso seja eleito. Vai ser difícil para ele, porque seu partido virou um partido de direita e um partido liberal de direita.
A recessão acabou?
Acho que ainda não. Mas está começando a acabar. Não há crise que sempre dure.
Mas, com essa política econômica atual, é possível criar crescimento vigoroso?
Essa política não ajuda em nada. A economia tem sua lógica. Já houve uma grande redução de salários e um grande aumento no desemprego. Chegamos num piso no qual os estoques já foram acabados.
A questão, então, é o ritmo no qual voltaremos a crescer?
A economia vai retomar, mas lentamente. O Banco Central demorou muito a abaixar os juros e está ameaçando reduzir esse ritmo. Isso é um absurdo. O governo que está aí absolutamente não tem contribuído para a retomada do desenvolvimento. Acho que neste ano ainda estaremos em recessão, mas no ano que vem já vamos sair fora. A questão é que o governo quer colocar a economia como bandeira de seu sucesso, mas faz tudo ao contrário. Isso é uma burrice muito grande.
Qual a sua crítica à PEC 55 (teto dos gastos)?
Ela é absurda. Ela congela o comando do Estado. A participação do estado na economia vai diminuir e isso não é uma coisa você faz administrando o orçamento. Não se diz “vou diminuir a despesa e aumentar a receita”. O que o governo fez foi demagogia neoliberal. Ele ele quis mostrar para direita econômica liberal radical que ele era de confiança. Ele não merecia muita confiança de ninguém, mas conseguiu apoio ao mostrar para eles que também era neoliberal. É ridículo e não vai funcionar. O próprio Temer declarou numa entrevista que dentro de quatro ou cinco anos a PEC vai ter que ser mudada.
Como compatibilizar investimento do Estado com responsabilidade fiscal?
O estado deve manter uma poupança pública (que é a receita menos a despesa corrente do Estado) em uns 2% do PIB. Se conseguir isso, pode fazer investimentos com essa poupança e um pouco do déficit publico normal, que você pode fazer via investimentos, e não graças a despesa corrente. Então, dá pra você ter 4% do PIB de investimento público, o que já está bom. Agora, isso é difícil se você for um populista. O populista heterodoxo quer gastar com o social e o populista ortodoxo quer gastar no juros. É inviável. É uma sociedade de loucos. O orçamento do Estado não existe para isso. O estado existe para ser cumprido e ser normalmente equilibrado. Agora, é preciso de distribuição de renda. É preciso gastar mais em saúde, então faço o imposto progressivo. Não é entrando em déficit público e quebrando o Estado.