Underground e antifa

Festival de música marca presença na cena underground de Belo Horizonte fazendo jus às origens anarquistas


Por Petra Fantini

divulgação

A região da praça da Estação, no centro de Belo Horizonte, recebeu neste sábado, dia 13, a segunda edição do projeto Ex TrE Ma de música e performance underground. De 14h às 1h de domingo, o local que já abrigou a casa de shows Baixo Centro Cultural reuniu artistas e bandas de noise, música experimental, metal extremo, além de performance, instalação, vídeo e dança.

Independência, marginalidade e resistência são os conceitos norteadores do evento, que acontecerá periodicamente. O Ex TrE Ma cruza linguagens e expressões ao retirar o artista performático do espaço confinado da galeria e colocá-lo em diálogo com o público da música de contracultura. A primeira edição, concebida pelo produtor Felipe Lopes e a artista plástica Carolina Botura, aconteceu em 2016 nos moldes de residência artística, culminando em um festival de música que não deixa de ser político. Na época, o Ex TrE Ma reuniu 13 bandas e proposições de 21 artistas em uma fábrica ocupada no centro da capital, na avenida dos Andradas.

Neste ano, o festival foi conduzido por integrantes do coletivo Vespa Víbice, composto por músicos, performers, dançarinos, fotógrafos, pintores e videomakers; e o Música Insólita, grupo de divulgação e promoção de trabalhos musicais dos gêneros ruído, industrial, música concreta, eletrônica de potência, free jazz, acusmática, atonal, binaural, entre outros. Ao entrar no espaço escuro e barulhendo, encontrei Cleuber Toskko, fundador do selo mineiro Sinfonoise Distro Records e vocalista da banda Rastros de Ódio, vendendo discos de bandas belo-horizontinas. Lançado em 2013, o selo atua na promoção de bandas do cenário underground nacional, com mais foco em Belo Horizonte.

Esse underground da “música pesada” nunca foi um movimento que eu frequentei. Francamente, tinha até preconceito até poucos anos atrás. Mas, em entrevista com Cleuber, aprendi um pouco sobre a cena, o selo e sua dimensão em BH. O grupo possui dois grandes projetos principais: a coletânea musical BH Caos, que produziu 5 mil cópias em três idiomas (português, inglês e espanhol) e foi divulgado em vários países, tanto da América Latina quanto da Europa, e a Caos Magazine.

“O underground, para ser divulgado, sempre dependeu de fanzine xerocadas. Só que depois da virada do século os zines meio que sumiram, viraram webzines. Então nós sentimos uma necessidade muito grande de ter as fanzines de volta na rua, mas ao mesmo tempo tem uma coisa de qualidade. (A revista) não é xerocada ou mimeografada, é 100% colorida, uma produção foda”, conta Cleuber, responsável também pela arte da capa da BH Caos.

Segundo ele, a cena da contracultura tem altos e baixos. “Acho que o maior problema com a nossa cena é a falta de renovação. Eu sinto muita falta de uma molecada mais nova, igual no meio dos anos 80 era muito normal você ir num show e ver moleque de 16 anos. Hoje em dia nos shows underground a galera é sempre mais adulta”, lamenta. Quanto ao momento político nacional, o músico afirma que o underground nasceu do anarquismo e as bandas permanecem politizadas, ainda que alguns artistas tenham se revelado fascistas.

“Tanto por parte das bandas de hardcore quanto as bandas punks, de trash, black metal, todas têm uma posição política muito forte. Agora que tem esse candidato Bolsonaro, que é um neofascista, por incrível que pareça muitas bandas se revelaram o contrário do que a gente esperava, tem muita banda da cena apoiando o cara. E o underground foi formado por uma cena punk, baseada e endossada no anarquismo. É justamente essa liberdade. Hoje nesse evento você vê a galera black metal, metaleiro, punk de moicano, hippie, todo mundo misturado. Porque essa ideia que é legal do underground, a união, o anarquismo de unir todas as tribos. Então não faz sentido ter uma banda fascista, de ideologia ariana, que apoia Bolsonaro, dentro do underground”, ressalta.

“Eu gostaria de evitar, mas não tem como não ser político”, diz Felipe Lopes sobre o Ex TrE Ma. “O próprio flyer é dadaísta. O dadaísta na primeira Guerra Mundial era pacifista, na segunda Guerra foi antifascista, e ele se considerava antiarte. Da mesma maneira que o noise é antimúsica, ou seja, é uma desconstrução dos elementos musicais na sua essência”, conclui, contando ainda sobre como sua origem pessoal, enquanto anarquista e punk, o deixa em permanente contato com o fazer político.

Entre os artistas plásticos desta edição, estiveram Arthur Camargos, Carolina Botura, Érica Fonseca, Janaina Lages, Gustavo Assis, Julia Baumfeld, Luiz Carlos Oliveira, Mariana Rocha, Pedro R. Moreira, X y z, e Zos Kipple. A música ficará por conta das bandas Expurgo (grindcore), a italiana Fukte (harsh noise), Scalped (death metal), Epilepsia (noise), Ignorance (death metal), Vespa* (ópera trash), Rastros De Ódio (punk, death, trash e grind) Pustema (experimental), Iron Trash (black e death metal), FLX – 844 (noise), Renegados (death e trash metal) e PMNT (harsh noise).