Viver o Centro, salvar o rio

Projeto Nessa Rua Tem Um Rio discute a presença e ausência da natureza na cidade e promove dia de confraternização e trocas artísticas


Por Petra Fantini

Publicado em 11/05/2018

Divulgação/ Instituto Undió

Mais um dia de experimentações e contato simbólico com a natureza será promovido neste sábado (12/05) pelo projeto-laboratório Nessa Rua Tem Um Rio, idealizado pelo Instituto Undió. Realizado há oito anos na rua Padre Belchior, região central de Belo Horizonte, a confraternização e mostra artística acontece de 10h às 13h na calçada do Instituto.

A Organização Não-Governamental (ONG) atua há mais de 30 anos ministrando oficinas de teatro, artes plásticas, dança e música para adolescentes em situação de risco social de bairros da periferia e centro da capital – hoje são 140 participantes de 12 a 21 anos. O Nessa Rua Tem Um Rio, que acontece trimestralmente, é fruto de uma dessas oficinas. Na época, os alunos ficaram impressionados com o fato de que a casa do Instituto existe desde que o Córrego Leitão, que passa debaixo da Padre Belchior, era descoberto. O rio nasce no Santa Lúcia, desce a avenida Prudente de Morais, a rua São Paulo e desagua no rio Arrudas.

Estudiosos como o geólogo Alessandro Borsagli, autor do livro Rios Invisíveis da Metrópole Mineira, defendem que a prática de cobrir os rios da cidade é prejudicial não só à paisagem, mas também a impermeabilização do solo, o que facilita a ocorrência de inundações. Thereza Portes, coordenadora de artes e uma das fundadoras do Instituto Undió, vê o afastamento da natureza com tristeza. “A gente cada vez mais colocando cimento em tudo para o carro passar e perdendo as árvores, que vão caindo. Há cada vez menos espaço para as árvores respirarem. A gente vai perdendo ar, perdendo tudo”, lamenta.

Thereza defende que o ensino da arte tem um poder transformador, possibilitando à juventude o autoconhecimento. “A gente acredita que o adolescente, por natureza, é transgressor. Ele precisa da transgressão, é até saudável, e muitas vezes ele não sabe nem lidar com isso. E o artista também tem isso muito forte”, diz Thereza, explicando porque o Nessa Rua põe artistas de rua e os adolescentes do instituto em contato na produção de arte.

Voltado ao resgate da natureza no espaço da cidade, a programação deste sábado inclui a conclusão do curso de Hortas Urbanas, que teve início em fevereiro, com ação coletiva de preparação de salada com vegetais colhidos na hora. Os participantes também são incentivados a levar mudas de plantas para um momento de troca de espécies.

O evento conta com uma mesa de café da manhã de 10 metros de comprimento, composta por xícaras adquiridas com os vizinhos da rua e outros parceiros moradores de Belo Horizonte. A mesa é ornada com uma toalha também construída coletivamente: o espaço é aberto para que os transeuntes deixem sua marca através de bordados. De acordo com Thereza, essa é uma tentativa de “compartilhar o cotidiano, de conversar; parar, tomar um café, comer uma rosca”.

Outra tradição do evento é a do Banho de Rio, em que baldes são cheios com água e pendurados em árvores do quarteirão, improvisando chuveiros. Em cada dispositivo é gravado o nome de um rio que passa pela cidade, convidando a população a tomar um banho simbólico com estes corpos d’água.

A temática do rio norteia o evento, mas os artistas são livres para abordarem outros temas. Nesta edição a artista Daniela Goulart traz a instalação fotográfica Estrela Cósmica, que consiste em uma fotografia de tamanho 110x75cm da paisagem da Serra do Cipó com uma estrela dourada colada no centro. A imagem será rodeada por plantas de tradição africana e indígena, destacando a preciosidade da paisagem natural e restabelecendo rastros na relação do homem com a natureza.

Lambe-lambes de pássaros “procurados” e “encontrados” tomarão a fachada do Instituto. As artes da ornitóloga Karina Felipe, do projeto Boletim das aves, são anúncios sobre as aves ainda comuns no município, que são as “encontradas”, e um apelo pelas mais raras, as “procuradas”. As peças orientam sobre o horário e local da cidade onde se pode visualizá-las.

Foto: Daniela Goulart – 2018

Karina também é a responsável pela instalação apt térreo 03, uma poleiro que, desta vez, convidará as próprias aves a se aproximarem do público, que poderá ouvir áudio dos cantos de algumas espécies de urbanas. Por fim, o dia ainda contará com a exibição, às 11h, do curta Kyyaverá, do diretor Sávio Leite. A produção trata sobre o Rio Cuiabá, que em guarani significa “rio da lontra brilhante”, e é o quinto vídeo do projeto Nessa Rua Tem Um Rio, do Laboratório Undió de Intervenções Artísticas.