Voluntários contra o fogo criminoso

Brigadistas da Serra do Rola Moça se desdobram para ajudar os Bombeiros num dos piores anos em incêndios florestais


Por Lucas Simões

foto: Instituto Casa Branca

Em um dos anos mais críticos de incêndios florestais, a região da Serra do Rola Moça, que abriga o terceiro maior parque em área urbana do país, tem sido particularmente castigada. Somente o maior incêndio registrado neste ano, no Manancial Catarina, em Nova Lima, que abastece de água Belo Horizonte e a região metropolitana, devastou 604,9 hectares (um hectare mede 10 mil metros quadrados, o que equivale a pouco menos que um campo de futebol). Em todo o ano passado, foram queimados 23,7 hectares, segundo a direção do Parque Estadual da Serra do Rola Moça. As chuvas dos últimos dias chegaram como um alento, mas existe o risco do fogo voltar já que o período crítico de incêndios só termina na metade de novembro.

Segundo Marcus Vinícius de Freitas, gerente do parque, o levantamento da área total queimada até o momento ainda está sendo processado. “A particularidade deste ano é que os focos de incêndio têm causa direta no homem: são crimes. Registramos vários casos de focos sequenciais, dando a entender que alguém estava ateando fogo propositalmente. E isso está nos preocupando porque nem sempre conseguimos estar em todos os lugares, mesmo tendo uma rede de apoio muito forte”, diz Marcus.

Nos dias que antecederam a chegada das chuvas, pipocava a cada hora novo relato de incêndio no grupo de WhatsApp ‘Fogo Alerta’, integrado por mais de uma centena de brigadistas voluntários que monitoram e cobatem o fogo na Serra do Rola Moça, ao lado do Corpo de Bombeiros. Aos finais de semana, as mensagens se multiplicavam em centenas, num fluxo impressionante.

Brigada Guara 2 Foto: Felipe Butcher

“Se não fossem os voluntários, teríamos muito mais destruição. No fogo que atingiu a área do batalhão florestal, por exemplo, voluntários ajudaram com rapidez”, diz o major Anderson Passos, comandante do Batalhão de Emergências Ambientais e Desastres do Corpo de Bombeiros (Bemad), em referência ao incêndio que devastou parte da área onde está a sede do Pelotão de Combate a Incêndios Florestais, em Casa Branca (distrito de Brumadinho), no mês passado.

 Voluntários ajudaram a controlar o fogo que atingiu Pelotão de Combate a Incêndios Florestais, em Casa Branca

Um dos grupos de voluntários mais ativos é o da Brigada Guará, de Casa Branca. Os 28 brigadistas voluntários atuam na proteção da região das serras Ouro Fino, Três Irmãos e da Calçada. E, principalmente, no monitoramento da área que abrange os bairros e condomínios de Casa Branca. São as associações de moradores que mantém a Brigada Guará com doações.

O líder da Brigada Guará, Ronnie Gibson Oliveira, diz que o volume de focos neste ano foi atípico. “Nas últimas semanas, chegamos a fazer quatro combates por dia, e com informações de mais de 15 incêndios simultâneoss acontecendo. Tem dia que desde às 6 horas já tem avião jogando água em focos grandes. Sai 52 vezes para combates neste ano, enquanto em todo o ano passado efetuei 37 combates. E nem chegamos ao final do período crítico”, diz Ronnie.

O período crítico de queimadas é tradicionalmente iniciado entre maio e junho, terminando em meados de novembro — quando normalmente começa a temporada de chuvas. O problema é que este cronograma da natureza não tem sido seguido à risca. “Em 24 de dezembro do ano passado, véspera do Natal, eu estava apagando focos de incêndio porque as chuvas não aconteceram. Neste ano, desde janeiro estamos em atividade constante. E as chuvas dessa semana ainda não foram suficientes”, completa Ronnie.

Os combates aos focos de incêndios podem durar de “meros 20 minutos a até longos cinco dias”, conforme diz a chefe da Brigada Guará, Janaína Pinheiro, que também preside a ONG Instituto Casa Branca, de preservação ambiental. Ela diz que neste ano houve maior ocorrência de focos isolados simultâneos no Rola Moça.

“Não são focos tão longes uns dos outros, mas acontecem ao mesmo tempo, o que dificulta nosso trabalho. Geralmente estamos em equipes de três ou quatro brigadistas. E não é comum que os focos aconteçam próximos e ao mesmo tempo”, relata Janaína. Segundo o gerente Marcus Vinícius, até 2 de outubro foram registrados 81 focos de incêndios no parque, contra 76 em todo o ano passado.

O voluntário Nélio Costa, também da Brigada Guará, mora em Belo Horizonte, mas neste ano precisou se deslocar repetidas vezes para “a roça” que mantém há dez anos próximo a Piedade do Paraopeba, distrito de Brumadinho. Normalmente, ele passa os fins de semana na região. “Mas, nos últimos dois meses, chegava em casa domingo à noite e, na segunda pela manhã, tinha que retornar por causa dos incêndios”, diz.

Ele reforça a dificuldade de se combater incêndios simultâneos e de proporções distintas, desde o princípio de incêndio na casa de um vizinho até os enfrentamentos mais densos, como na Serra da Calçada, onde as labaredas chegaram a ameaçar residências e queimaram parte de um jardim no Condomínio Retiro das Pedras, no dia 5 de setembro.

Brigadistas apagam incêndio na Serra da Calçada, que ameaçou o Condomínio Retiro das Pedras

“Às vezes, tem uma ocorrência grande acontecendo e começa outra, menor, mas que ameaça casas. Nesses incêndios atuais, tem alguém colocando fogo mesmo, só não sabemos quem nem porque. São focos distintos, em locais de acesso difícil”, diz Nélio. “Neste ano, foram incêndios maiores e que duraram mais tempo. Não demos conta. O ideal seria ter o Exército ajudando nos combates. É uma ideia que sugeri há tempos”, diz o brigadista.

Criminosos

A ocorrência de focos de incêndio simultâneos levanta a suspeita de que sejam criminosos, segundo Francisco Mourão, biólogo e um dos fundadores da Associação Mineira em Defesa do Meio Ambiente (AMDA), que mantém sete brigadas profissionais atuantes no Rola Moça. Três delas em parceria com as mineradoras Vale, Anglo Gold e Gerdau.

No distrito de Córrego do Feijão (Brumadinho), ele diz que contabilizou pelo menos 40 focos de incêndio neste ano na Serra Três Irmãos. “Estamos em conversas com a Vale para facilitar a entrada de brigadistas. Na Mina do Córrego do Feijão, existe resistência e dificuldade de entrar por conta das normas de segurança da Vale, principalmente à noite, quando o combate ao fogo é mais fácil em função da umidade. E lá houve sérios incêndios. Mas estamos avançando nas conversas para cooperações mútuas”, diz Mourão. Procurada, a Vale não comentou a questão até a publicação desta reportagem.

Outra denúncia em Córrego do Feijão refere-se à prática de queimadas para expansão de pastos. O proprietário da Fazenda Ponte Alta, Jorge Maia, foi alvo de cinco boletins de ocorrência da Política Militar por suspeita de desmatar e atear fogo em pastagens, entre outubro e novembro de 2016. Na quarta-feira passada (27/09), às 15h58, outro incêndio foi denunciado na fazenda e mobilizou os brigadistas e o Corpo de Bombeiros.

A investigação da ocorrência está a cargo do tenente Renato Sena Farias, do 3º Pelotão da Companhia Independente de Polícia do Meio Ambiente de Nova Lima, responsável pela área. Ao procurá-lo, a reportagem foi informada de que ele está em férias, mas que tem conhecimento e apura o caso, “apesar da dificuldade em obter flagrantes de queimadas criminosas em geral”.

“A polícia coopera, tem ajudado. Mas realmente o flagrante é difícil até para nós, brigadistas. Já encontramos galões de gasolina várias vezes, mas o flagrante mesmo, não”, completa Mourão.

Pelo WhatsApp, brigadistas denunciam propagação do fogo na Fazenda Ponte Alta, em Córrego do Feijão, com histórico de incêndios criminosos

O voluntário Felipe Butcher, também da Brigada Guará, atua há quase dois anos na região e diz que não é incomum encontrar áreas de pastagem preparadas para a queima. “Encontramos o mato baixo, amassado. A vegetação baixa, cortada e amassadinha no chão. É uma prática proposital para que pegue fogo mais rápido e não apague”, diz Felipe.

Seu projeto é passar a monitorar a região com um drone e tentar flagrar atos criminosos. “Hoje eu uso uma (câmera) GoPro com um suporte no peito para registrar imagens dos incêndios. A ideia do drone é desenvolvê-lo eu mesmo. Comprei todas as peças. Fiz alguns testes, mas a câmera ainda é fraca, não é a ideal para este trabalho”, diz Felipe.

Drone desenvolvido pelo brigadista Felipe Butcher, para ajudar no mapeamento de incêndios na região do Rola Moça

Campanhas

Além de combater o fogo, os brigadistas voluntários também se dedicam à campanhas de conscientização. Em Casa Branca, a Brigada Guará conseguiu que um supermercado não vendesse fogos de artifício entre 1º e 15 de outubro, próximo ao feriado de Nossa Senhora da Aparecida, celebrado pelos católicos no dia 12. “Nessa época, ocorrências por causa de fogos de artifício também aumentam. A conscientização e a educação é um trabalho fundamental, muito mais eficiente do que o combate ao fogo”, explica Ronnie.

Além disso, os brigadistas também vão oferecer curso de compostagem para combater o hábito da queima de restos vegetais. “Um dos nossos colegas vai dar esse curso para o pessoal parar de queimar as folhas e passar a fazer composto”, diz o brigadista Nélio Costa.