{"id":58878,"date":"2017-06-24T19:20:07","date_gmt":"2017-06-24T19:20:07","guid":{"rendered":"http:\/\/www.obeltrano.com.br\/?post_type=portfolio&p=58878"},"modified":"2017-06-30T23:13:32","modified_gmt":"2017-06-30T23:13:32","slug":"arreda-pra-ca","status":"publish","type":"portfolio","link":"https:\/\/www.obeltrano.com.br\/portfolio\/arreda-pra-ca\/","title":{"rendered":"Arreda pra c\u00e1"},"content":{"rendered":"
[vc_row][vc_column][vc_custom_heading heading_semantic=”p” text_size=”” text_font=”font-139983″ text_weight=”800″ text_color=”color-jevc” separator=”under” separator_color=”yes” sub_lead=”yes” sub_reduced=”yes”]<\/p>\n
[\/vc_custom_heading][vc_column_text]Por Fl\u00e1vio de Castro<\/span><\/em>[\/vc_column_text][vc_column_text]<\/p>\n <\/span><\/p>\n Era novo na cidade e, digamos assim, um turista distra\u00eddo. Um paulista poroso e propenso ao saud\u00e1vel h\u00e1bito da comunica\u00e7\u00e3o que os aut\u00f3ctones exerciam em quaisquer ocasi\u00f5es. Coisa que n\u00e3o havia em sua terra, a come\u00e7ar pelos interrogat\u00f3rios:<\/span><\/p>\n \u201cVoc\u00ea n\u00e3o \u00e9 daqui n\u00e3o, n\u00e9?\u201d \u201cMexe com o qu\u00ea?\u201d \u201cTem filho?\u201d \u201cPor que veio para c\u00e1?\u201d \u201cCad\u00ea sua fam\u00edlia?\u201d \u201cOnde t\u00e1 morando?\u201d<\/span><\/p>\n No come\u00e7o achou que o inqu\u00e9rito seria apenas o prel\u00fadio da intimidade, sobretudo quando acompanhado de certezas e promessas:<\/span><\/p>\n \u201cVou te levar pra comer o melhor tropeiro da cidade.\u201d \u201cTem que conhecer esse bar l\u00e1 no Renascen\u00e7a.\u201d \u201cVamos marcar de ir l\u00e1 na minha ro\u00e7a num feriado desses.\u201d \u201cPrecisa ver a cacha\u00e7a que ele faz.\u201d \u201cVamos marcar, some n\u00e3o.\u201d<\/span><\/p>\n E ele marcou, foi, fez quest\u00e3o e n\u00e3o sumiu. Estrangeiro em seu pr\u00f3prio pa\u00eds, sendo comido quieto pelas beiradas a cada vez que um novo cicerone se arredava. Pois cada filho da terra que ele conhecia fazia quest\u00e3o de discriminar com euforia cada um dos 12 ou 13 \u00e1ureos assuntos da magistral teogonia: Juscelino, Clube da Esquina, Mercado Central, Sepultura, Aleijadinho, Galo, Cruzeiro, Pampulha, Drummond, Sabino e o pouco lido e sempre citado \u201cGrande Sert\u00f5es: Veredas\u201d.<\/span><\/p>\n Ele elegantemente reparava o deslize. \u201c\u00c9 Grande Sert\u00e3o, no singular\u201d. O anfitri\u00e3o justificava o lapso. \u201cPois \u00e9, eu sempre confundo, tem tanto escritor bom…\u201d. E a evoca\u00e7\u00e3o mitol\u00f3gica seguia: Clara Nunes, Guignard, Tel\u00ea Santana, Skank, Niemeyer, An\u00edsio Santiago, Pra\u00e7a do Papa, Xapuri, Bol\u00e3o, Mineir\u00e3o e Pato Fu.<\/span><\/p>\n De Cyro dos Anjos, L\u00facio Cardoso e Wander Pirolli, quase ningu\u00e9m falava. Do Goma, 4:25, Thiago Fran\u00e7a, Black Josie, Indigest\u00e3o, O Beltrano, Ciro Trevisan, quase que ningu\u00e9m falava. Do duelo de Mcs, da Noite Branca, do Bairro Saudade, era um ou outro que falava.<\/span><\/p>\n Como era bonita a igreja vazia com uma lagoa de mentira em volta! Como era certo que os times de cidade foram perseguidos e subtra\u00eddos por todas as federa\u00e7\u00f5es esportivas do Brasil! Ou ainda, como dizia um personagem mineiro do fulminante romance \u201cPornopop\u00e9ia\u201d (com acento!) de Reinaldo Moraes, \u201cO Fernando Pessoa s\u00f3 n\u00e3o \u00e9 melhor poeta por que n\u00e3o nasceu em Minas Gerais\u201d. Rimou, gradou.<\/span><\/p>\n Mandavam ele comer f\u00edgado com jil\u00f3, confidenciavam-lhe os parentescos: \u201cVov\u00f3 foi muito amiga de Risoleta\u201d,\u201cHenfil era garrado com papai\u201d. E d\u00e1-lhe kaol, ora-pro-n\u00f3bis, macarr\u00e3o na chapa e caldo requentado num bar gentrificado de Santa Tereza. D\u00e1-lhe restaurante de PF sem tempero para a salada, banca de jornal fechada aos domingos e comerciantes que n\u00e3o aceitavam cart\u00e3o de d\u00e9bito. Ara\u00fajos, espetinhos, doces de leite, Jota Quest, melhor que t\u00e1 teno, coleguinha, guerreiro, meu patr\u00e3o.<\/span><\/p>\n Mas quem foi na Noite Branca mesmo? Quem viu as pinturas do Estev\u00e3o Machado e do Kelson Frost ,as performances de Noemi Assump\u00e7\u00e3o e Clarice Steinmiller? Quem conversou com a Simone da Ouvidor, quem leu Fl\u00e1vio Boave, Ricardo Aleixo, Ana Martins Marques, Eliza Caetano Alves? Quem sabia da cidade que o Wander Pirolli encontrou e o Jo\u00e3o Perdig\u00e3o continua encontrando?<\/span><\/p>\n Doze anos depois ele n\u00e3o queria saber das doze ou trezes certezas da mineiridade. Queria a m\u00e1fia de pe\u00e7as automotivas da Pedro II, os bares sem boemia da Savassi, a presun\u00e7\u00e3o neoliberal dos est\u00fadios de tatuagem, a diamba malhada da Serra, o cartel dos postos de gasolinas, as cartas marcadas dos editais e o deslumbramento na rua Sapucai num fim de tarde. Queria saber de viver nos pr\u00e9dios de tr\u00eas andares, onde as pessoas fodiam, bebiam, escondiam o ouro e contavam vantagem. Queria a loucura de Campos de Carvalho, a viadagem enrustida dos irm\u00e3os Nava, os andarilhos do Cao Guimar\u00e3es, o duelo de MCs e a cerveja gelada do Xoc Xoc.<\/span><\/p>\n