Publicado em 08\/08\/2018<\/span><\/em><\/p>\n \u201cFortalecer o SUS, os direitos e a democracia\u201d foi o lema do 12\u00ba Congresso Brasileiro de Sa\u00fade Coletiva, o maior evento do campo no Brasil, que reuniu quase oito mil pessoas no Rio de Janeiro, entre os dias 24 e 28 de julho. O congresso, realizado pela Associa\u00e7\u00e3o Brasileira de Sa\u00fade Coletiva (Abrasco) e conhecido como Abrasc\u00e3o 2018, \u00e9 de natureza h\u00edbrida, congregando o elemento cient\u00edfico com o car\u00e1ter pol\u00edtico, tanto nos campos da epidemiologia, da pol\u00edtica e da gest\u00e3o quanto nos das ci\u00eancias sociais e humanas.<\/span><\/p>\n O evento reuniu pesquisadores, trabalhadores, estudantes, gestores, representantes de movimentos sociais e militantes da sa\u00fade p\u00fablica\/coletiva na luta pelo fortalecimento do Sistema \u00danico de Sa\u00fade (SUS), dos direitos e da democracia.<\/span><\/p>\n No ano em que se comemoram os 30 anos da Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica de 1988, quando a sa\u00fade foi reconhecida como direito, \u201cA sa\u00fade \u00e9 direito de todos e dever do Estado (Art. 196)\u201d e, em meio a conquistas, muitas dificuldades e retrocessos em tempos t\u00e3o dif\u00edceis, o Abrasc\u00e3o 2018 foi espa\u00e7o importante de troca de ideias e de debates. \u201c\u00c9 espa\u00e7o de aprender e tirar diretrizes e plataformas para nossas a\u00e7\u00f5es nos pr\u00f3ximos anos em cada local, em cada sala de aula, em cada servi\u00e7o de sa\u00fade e nos nossos movimentos sociais. A gente vem para carregar nossa energia e confirmar para n\u00f3s, e para a sociedade, que a esperan\u00e7a somos n\u00f3s\u201d, assim saudou Gast\u00e3o Wagner de Souza Campos, professor da Faculdade de Ci\u00eancias M\u00e9dicas da Unicamp e ent\u00e3o presidente da Abrasco, na abertura do evento.<\/span><\/p>\n Nos dois primeiros dias, aconteceram na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) as atividades pr\u00e9-congresso. Os quatro dias do Abrasc\u00e3o 2018 aconteceram no campus da Funda\u00e7\u00e3o Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Manguinhos.<\/span><\/p>\n O pr\u00e9-congresso foi encerrado com o ato-show em defesa da universidade p\u00fablica e do SUS. Mar\u00edlia Louvison, professora da Faculdade de Sa\u00fade P\u00fablica da Universidade de S\u00e3o Paulo (FSP USP), destacou o poder da resist\u00eancia em tempos de austeridade. \u201cN\u00e3o d\u00e1 para admitir piora em nosso sistema de vacina\u00e7\u00e3o, n\u00e3o d\u00e1 para admitir redu\u00e7\u00e3o de direitos. Estamos aqui em defesa de um sistema de sa\u00fade p\u00fablico e da universidade p\u00fablica. Precisamos produzir conhecimento, garantir o direito \u00e0 vida. Estamos aqui em nome da democracia. Sa\u00fade \u00e9 democracia\u201d. O ato, que contou com diversos shows e com a presen\u00e7a de blocos carnavalescos, foi a primeira manifesta\u00e7\u00e3o na concha ac\u00fastica da Uerj depois de ser batizada com o nome de Marielle Franco.<\/span><\/p>\n A vereadora carioca, assassinada junto com o seu motorista em mar\u00e7o de 2018, crime ainda sem solu\u00e7\u00e3o, foi a grande homenageada na cerim\u00f4nia de abertura do evento. Gast\u00e3o Wagner deu in\u00edcio ao Abrasc\u00e3o 2018 chamando ao palco Anielle Franco, irm\u00e3 de Marielle. Com um coro de quase quatro mil vozes gritando \u201cMarielle, presente!\u201d, Anielle agradeceu a homenagem e relembrou a inf\u00e2ncia dela e da irm\u00e3, moradoras da Mar\u00e9, nas a\u00e7\u00f5es de vacina\u00e7\u00e3o da Funda\u00e7\u00e3o. \u201cEra aqui que a gente vinha se vacinar e at\u00e9 hoje trago minha filha\u201d, disse, destacando tamb\u00e9m a veia pol\u00edtica da irm\u00e3, com o fundamental apoio da m\u00e3e delas. \u201c\u00c9 desafiador falar para tantas pessoas, mas o que nos acalenta \u00e9 ver o sorriso da Marielle no tel\u00e3o. \u00c9 disso que tiramos for\u00e7as todos os dias\u201d, completou.<\/span><\/p>\n Fazer um evento t\u00e3o grande na cidade do Rio de Janeiro foi um desafio para os organizadores. \u201cH\u00e1 um ano, quando come\u00e7amos, fizemos reuni\u00f5es desoladoras em meio \u00e0 greve da Uerj, paralisada e com professores sem sal\u00e1rio. Anteontem e ontem encontramos uma Uerj viva e cheia de vida. O mesmo vale para a Fiocruz, que com sua autonomia frente aos in\u00fameros governos refor\u00e7a o compromisso com a sa\u00fade da popula\u00e7\u00e3o brasileira, a ci\u00eancia e a tecnologia. Estamos sendo atacados nos \u00faltimos dois anos por esse governo federal e \u00e9 por isso que estamos aqui\u201d, ressaltou Gast\u00e3o Wagner.<\/span><\/p>\n N\u00edsia Trindade Lima, presidente da Fiocruz, tamb\u00e9m salientou a import\u00e2ncia da Fiocruz sediar o evento em meio \u00e0 piora nos indicadores depois da interven\u00e7\u00e3o militar na cidade do Rio de Janeiro. N\u00edsia lembrou que, al\u00e9m dos 30 anos do SUS, s\u00e3o comemorados tamb\u00e9m os 100 anos do castelo mourisco, sede e s\u00edmbolo da Fiocruz, e frisou a import\u00e2ncia da luta por direitos. A realiza\u00e7\u00e3o do Abrasc\u00e3o 2018 em ano de elei\u00e7\u00f5es tamb\u00e9m foi um desafio e, para ela, o evento \u00e9 um \u201cespa\u00e7o de conviv\u00eancia, de debate e de propostas, para novos sonhos e novas lutas, por um novo projeto de liberdade\u201d. Segundo N\u00edsia, \u201cprecisamos avan\u00e7ar, pensar nos novos e nos antigos desafios do ponto de vista da sa\u00fade coletiva. N\u00e3o podemos ficar isolados, sa\u00fade \u00e9 democracia, \u00e9 desenvolvimento, \u00e9 parte essencial do processo de reconstru\u00e7\u00e3o democr\u00e1tica\u201d.<\/span><\/p>\n Sa\u00fade, direitos sociais e democracia<\/span><\/strong><\/p>\n Coube a Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile e representante da Organiza\u00e7\u00e3o Pan-americana da Sa\u00fade (Opas, bra\u00e7o regional da Organiza\u00e7\u00e3o Mundial da Sa\u00fade nas Am\u00e9ricas), a confer\u00eancia de abertura do Abrasc\u00e3o 2018. Bachelet falou da rela\u00e7\u00e3o entre sa\u00fade, direitos sociais e democracia e tra\u00e7ou um panorama do sistema de sa\u00fade de seu pa\u00eds. \u201cO sistema est\u00e1 melhor do que na \u00e9poca da ditadura, \u00e9 claro, mas ainda h\u00e1 muitos problemas, pois o sistema \u00e9 fragmentado tanto no financiamento quanto nos servi\u00e7os existentes, afetando principalmente as fam\u00edlias mais pobres\u201d.<\/span><\/p>\n Os pa\u00edses do continente, cada um com sua pr\u00f3pria hist\u00f3ria e luta social, reestabeleceram o regime democr\u00e1tico ao longo dos anos, por\u00e9m, \u00e9 preciso combater o abismo social entre ricos e pobres, homens e mulheres, e entre etnias. \u201cA desigualdade n\u00e3o \u00e9 outra coisa sen\u00e3o o duro resultado de decis\u00f5es pol\u00edticas passadas, muito mais do que a\u00e7\u00f5es, de omiss\u00f5es\u201d, afirmou Bachelet.<\/span><\/p>\n Para a ex-presidente chilena, falar da sa\u00fade das pessoas n\u00e3o \u00e9 poss\u00edvel sem falar da sa\u00fade da democracia, e \u00e9 preciso resist\u00eancia. \u201cVamos avan\u00e7ar juntos nos reveses a caminho da justi\u00e7a, da liberdade, rompendo o horizonte que a viol\u00eancia tenta nos enclausurar. Defendendo o que precisamos defender, seja aqui, no Chile, ou em toda a regi\u00e3o. Seguimos resistindo para fortalecer os direitos, o SUS e a democracia\u201d, concluiu.<\/span><\/p>\n Muitos foram os temas discutidos no congresso, em seus diversos cursos, oficinas, reuni\u00f5es, confer\u00eancias, mesas-redondas, debates, manifesta\u00e7\u00f5es culturais e demais atividades. Alguns desses temas foram: Comunica\u00e7\u00e3o e sa\u00fade; Economia pol\u00edtica do setor sa\u00fade; Sa\u00fade do trabalhador; Epidemia de zika; Seguran\u00e7a do paciente; Seguran\u00e7a e riscos alimentares; Forma\u00e7\u00e3o pol\u00edtica em sa\u00fade, Sistemas de informa\u00e7\u00e3o em sa\u00fade; Regula\u00e7\u00e3o em sa\u00fade; Pol\u00edtica, gest\u00e3o e aten\u00e7\u00e3o hospitalar; Direitos ind\u00edgenas; G\u00eanero e sa\u00fade; Pesquisa qualitativa e quantitativa em sa\u00fade; Agroecologia; Sa\u00fade bucal; Promo\u00e7\u00e3o da sa\u00fade e desenvolvimento sustent\u00e1vel; Viol\u00eancia obst\u00e9trica; Descriminaliza\u00e7\u00e3o do aborto; Sa\u00fade suplementar; Modelos de gest\u00e3o em sa\u00fade; Viol\u00eancia; Envelhecimento; Racismo; Homofobia; Sa\u00fade mental e Forma\u00e7\u00e3o em sa\u00fade. Nas Comunica\u00e7\u00f5es Orais, mais de cinco mil trabalhos acad\u00eamicos foram apresentados por seus autores.<\/span><\/p>\n Desafios do SUS<\/span><\/strong><\/p>\n Gast\u00e3o Wagner e Jos\u00e9 Gomes Tempor\u00e3o, pesquisador aposentado da Fiocruz e ex-ministro da Sa\u00fade, participaram da mesa-redonda \u201cDireito \u00e0 sa\u00fade e sistemas p\u00fablicos universais\u201d.<\/span><\/p>\n Tempor\u00e3o fez um resgate hist\u00f3rico e destacou que a constru\u00e7\u00e3o do SUS se deu bem antes da constitui\u00e7\u00e3o de 1988, por meio da luta da popula\u00e7\u00e3o por melhores condi\u00e7\u00f5es de vida e de sa\u00fade, da luta pol\u00edtica dos movimentos sociais, dos partidos, das institui\u00e7\u00f5es – como a Abrasco (fundada em 1979) e o Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Sa\u00fade, fundado em 1976) – e da realiza\u00e7\u00e3o, em 1986, da 8\u00aa Confer\u00eancia Nacional de Sa\u00fade, marco da sa\u00fade p\u00fablica brasileira. \u201cAntes do SUS, os muito ricos tinham acesso, pagando diretamente, e os assalariados com carteira assinada tinham o Inamps (Instituto Nacional de Assist\u00eancia M\u00e9dica da Previd\u00eancia Social), mas a grande maioria da popula\u00e7\u00e3o morria. O SUS mudou drasticamente essa situa\u00e7\u00e3o\u201d, pontuou.<\/span><\/p>\n Para Tempor\u00e3o, o SUS est\u00e1 numa encruzilhada. Com o corte de recursos do or\u00e7amento pelo governo Temer, a cobertura vacinal diminuiu, as doen\u00e7as infecto-contagiosas est\u00e3o retornando e, pela primeira vez em 15 anos, a mortalidade infantil cresceu. \u201cO SUS \u00e9 um projeto potente, parte central do processo civilizat\u00f3rio. Sem o SUS, viver\u00edamos hoje uma situa\u00e7\u00e3o de barb\u00e1rie social. A austeridade da sa\u00fade n\u00e3o \u00e9 necess\u00e1ria, ela \u00e9 criminosa\u201d.<\/span><\/p>\n Gast\u00e3o Wagner afirmou ser necess\u00e1rio o aumento da efetividade pol\u00edtica, pois \u201ch\u00e1 um conjunto de adversidades que v\u00eam se agravando nos \u00faltimos tempos. O projeto neoliberal desconstr\u00f3i sistemas p\u00fablicos de educa\u00e7\u00e3o, de sa\u00fade, tira direitos trabalhistas, das mulheres, dos ind\u00edgenas\u201d.<\/span><\/p>\n Hoje, com a domin\u00e2ncia do capital financeiro e depois do golpe parlamentar-jur\u00eddico-midi\u00e1tico, uma nova perspectiva do capitalismo utiliza tanto Estado quanto ve\u00edculos de comunica\u00e7\u00e3o para enaltecer o consumismo, provocando reveses na consolida\u00e7\u00e3o do direito \u00e0 sa\u00fade e aos defensores do SUS.<\/span><\/p>\n De acordo com Gast\u00e3o Wagner, para fortalecer a reforma sanit\u00e1ria e recuperar a democracia, \u00e9 preciso fazer alian\u00e7as com movimentos sociais. \u201cPara consolidar o movimento, temos que construir canais cotidianos, criar grupos de defesa do SUS em cada territ\u00f3rio, em cada servi\u00e7o, em cada universidade. Temos que ir ao povo\u201d, disse.<\/span><\/p>\n Em confer\u00eancia sobre determinantes sociais e estrat\u00e9gias para superar as desigualdades na sa\u00fade, Sir Michael Marmot, convidado especial do congresso, afirmou que \u201ca injusti\u00e7a social mata em larga escala. A chave \u00e9 melhorar as condi\u00e7\u00f5es em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem\u201d. Marmot, pesquisador do Institute of Health Equity e do departamento de Epidemiologia e Sa\u00fade P\u00fablica da University College London. Em evento paralelo ao congresso, o epidemiologista ingl\u00eas tamb\u00e9m foi homenageado pela Academia Nacional de Medicina (ANM), que outorgou a ele o t\u00edtulo de honor\u00e1rio estrangeiro.<\/span><\/p>\n Lan\u00e7amentos<\/span><\/strong><\/p>\n Al\u00e9m das confer\u00eancias e mesas-redondas, aconteceram diversas atividades durante o evento, como o lan\u00e7amento por parte de um coletivo de pesquisadores de vers\u00e3o atualizada do Dossi\u00ea Cient\u00edfico e T\u00e9cnico contra o Projeto da Lei (PL) do Veneno (6299\/2002) e a favor do PL que instituiu a Pol\u00edtica Nacional de Redu\u00e7\u00e3o de Agrot\u00f3xicos (PNaRA). O dossi\u00ea, compila\u00e7\u00e3o de notas t\u00e9cnicas j\u00e1 lan\u00e7adas contra o Pacote do Veneno, foi entregue ao deputado Alessandro Molon, presidente da Comiss\u00e3o de Redu\u00e7\u00e3o de Agrot\u00f3xicos na C\u00e2mara dos Deputados.<\/span><\/p>\n![\"\"](\"http:\/\/www.obeltrano.com.br\/site\/wp-content\/uploads\/2018\/08\/castelo-foto-Peter-Ilicciev-1024x681.jpg\")
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foto Rafael Venuto\/ Abrasco<\/figcaption><\/figure>\n