![\"\"](\"http:\/\/www.obeltrano.com.br\/site\/wp-content\/uploads\/2018\/10\/motoserra-2-1567321-1024x680.jpg\")
Em meados de 2017, o soci\u00f3logo Juliano Spyer, que passou 15 meses vivendo e pesquisando em uma pequena vila do interior da Bahia, lan\u00e7ou o livro M\u00eddias Sociais no Brasil Emergente<\/strong><\/a>, financiado pelo Conselho Europeu de Pesquisa. O livro traz uma leitura importante sobre o uso das ferramentas digitais no Brasil. Existe um cap\u00edtulo que fala especificamente sobre o uso pol\u00edtico do Facebook e do WhatsApp. A pesquisa, realizada entre 2013 e 2014 mostra o uso e apropria\u00e7\u00e3o das ferramentas digitais na micropol\u00edtica local, por\u00e9m, segundo sua pesquisa, existia um distanciamento sobre a macropol\u00edtica nacional, os protestos de junho de 2013 que abalaram as grandes cidades do Brasil n\u00e3o chegaram a se tornar assuntos relevantes nas conversas digitais dos moradores da pequena vila. Tudo indica, entretanto, que depois de 2018, esta rela\u00e7\u00e3o tenha mudado categoricamente no universo sem\u00e2ntico das classes emergentes. \u00c9 poss\u00edvel perceber que depois desta elei\u00e7\u00e3o, n\u00e3o s\u00f3 as classes emergentes, mas toda uma fatia de p\u00fablico, de todas as classes sociais, que se apropriou das ferramentas digitais tardiamente, seja por falta de acesso ou por ainda estarem em processo de letramento digital, como os aposentados e pessoas mais idosas por exemplo, foram inseridas de forma abrupta e enviesada no ciberativismo. De uma hora para outra, um turbilh\u00e3o exorbitante de informa\u00e7\u00e3o pol\u00edtica ideol\u00f3gica ligada \u00e0 not\u00edcias falsas, teorias conspirat\u00f3rias, pesquisas e imagens manipuladas, amea\u00e7as, discursos xen\u00f3fobos, racistas, sexistas, promessas vagas, nacionalismo exacerbado passou a circular e ser circulado por estas redes, um batismo violento ao ativismo digital.<\/span><\/p>\n Para seguir as pistas do que aconteceu no Brasil, temos que pensar em dois exemplos ocorridos recentemente o Brexit, sa\u00edda da Inglaterra do mercado comum europeu e a elei\u00e7\u00e3o de Donald Trump como presidente dos EUA. Em ambos os movimentos houve den\u00fancias sobre manipula\u00e7\u00e3o e interfer\u00eancia na comunica\u00e7\u00e3o digital, russos foram acusados, Mark Zuckerberg, CEO do Facebook foi chamado a dar explica\u00e7\u00f5es nos Comit\u00eas de Justi\u00e7a e de Com\u00e9rcio do Senado dos Estados Unidos e no parlamento Europeu. A start up Cambridge Analytica, consultoria digital pertencente ao bilion\u00e1rio conservador Robert Mercere ligada a Steve Bannon, que prestou consultoria a Donald Trump e ao Brexit, logo em seguida foi acusada e processada por uso indevido de dados pessoais e manipula\u00e7\u00e3o e teve que fechar as portas.<\/span><\/p>\n \u00c9 importante explicar melhor como funciona a m\u00e1quina de manipula\u00e7\u00e3o digital operada por empresas como a Cambridge Analytica. Em ferramentas como o Facebook (2 bilh\u00f5es de usu\u00e1rios no mundo) e Twiter (284 milh\u00f5es de usu\u00e1rios no mundo) estas ferramentas criam perfis para cada um dos usu\u00e1rios, no caso da elei\u00e7\u00e3o de Trump, foram criados mais de 200 milh\u00f5es de perfis, uma para cada eleitor norte americano. Estes perfis s\u00e3o criados com base no levantamento de dados muito espec\u00edficos, como por exemplo, com quem voc\u00ea se conecta, o que voc\u00ea publica e curte, como voc\u00ea se desloca pelo mundo ou at\u00e9 mesmo quais os medicamentos voc\u00ea compra, haja vista a necessidade de fornecer o CPF para ganhar alguns descontos em farm\u00e1cias, pr\u00e1tica comum nos Estados Unidos. Com base nestas informa\u00e7\u00f5es cruzadas e com uso intenso de intelig\u00eancia artificial e mega estruturas computacionais, os big data, a leitura desta gama de dados \u00e9 processada para criar linhas do tempo diferentes para cada um dos usu\u00e1rios, ou seja, narrativas individuais que mesclam not\u00edcias compartilhadas por conhecidos com publica\u00e7\u00f5es patrocinadas, de produtos ou mesmo projetos ideol\u00f3gicos como o Brexit ou Trump, atuando assim, diretamente na subjetividade da audi\u00eancia. No WhatsApp agem milhares de bots (rob\u00f4s), programas de computador que interagem com as m\u00eddias digitais, perfis falsos que publicam incansavelmente qualquer conte\u00fado que o programador tenha lhes comandado. Estes bots tem um grau de penetra\u00e7\u00e3o t\u00e3o grande que podem mesmo produzir memes e pequenos v\u00eddeos e distribu\u00ed-los na rede de forma aut\u00f4noma. \u00c9 sabido que antes de fechar as portas a pr\u00f3pria Cambridge Analytica tinha planos para atuar no Brasil, e que existem muitas outras consultorias parecidas atuando no mercado internacional. Al\u00e9m dos dados geogr\u00e1ficos, demogr\u00e1ficos e econ\u00f4micos estas consultorias de comunica\u00e7\u00e3o digital atuam principalmente nos dados psicogr\u00e1ficos, entendendo como se d\u00e1, por meio da subjetividade das pessoas a forma\u00e7\u00e3o do \u00f3dio, da ades\u00e3o ou avers\u00e3o a certa ideia. A m\u00e1quina contempor\u00e2nea de propaganda digital sabe muito bem se voc\u00ea \u00e9 uma pessoa mais am\u00e1vel, colaborativa, raivosa ou neur\u00f3tica, e utiliza estas informa\u00e7\u00f5es para criar processos de subjetiva\u00e7\u00e3o.<\/span><\/p>\n E o Brasil? Sim, no Brasil o acesso \u00e0 internet das classes emergentes, e o grande n\u00famero de rec\u00e9m-chegados na era digital continuava crescendo, mas era um territ\u00f3rio ainda inexplorado nas quest\u00f5es pol\u00edticas eleitorais, como indica a pesquisa de Spyer, uma verdadeira mata virgem a ser tratorada pela m\u00e1quina de fake news. Os usu\u00e1rios que acompanharam gradativamente o nascimento e o desenvolvimento da internet, ou passaram por processos de leitura cr\u00edtica da m\u00eddia tendem a ter uma vis\u00e3o mais c\u00e9tica do que os que chegaram mais tarde e j\u00e1 encontraram as ferramentas digitais mais desenvolvidas, com alto grau de sofistica\u00e7\u00e3o. Diante dos exemplos vividos h\u00e1 poucos anos pelo Brexit e elei\u00e7\u00e3o de Trump, podemos ao menos desconfiar que as informa\u00e7\u00f5es privilegiadas, aquelas que os grandes players internacionais do mercado digital, Google, Facebook, Twitter possuem sobre a gente, foram usados de forma indiscriminada na campanha pol\u00edtica brasileira de 2018.<\/span><\/p>\n Cavalo Motor<\/span><\/strong><\/p>\n O cavalo de troia veio de caminh\u00e3o. A invas\u00e3o de not\u00edcias falsas propagadas pelo WhatsApp nas classes emergentes no Brasil ganha vigor e capilaridade com a greve dos caminhoneiros em maio de 2018, uma greve forte, que parou e mobilizou todo o pa\u00eds e concentrou nas redes sociais uma imensa audi\u00eancia, dias antes do in\u00edcio da copa do mundo. A greve dos caminhoneiros mexeu com quase todos e criou um novo fluxo de conex\u00f5es nas redes sociais. As cidades estavam paradas, patr\u00f5es e funcion\u00e1rios dividiram os mesmos grupos de WhatsApp, afinal as pessoas precisavam chegar ao trabalho ou justificar suas aus\u00eancias, grupos discutiam quais postos estavam fornecendo combust\u00edvel, quais estradas estavam liberadas. Rapidamente os mesmos grupos foram tomados por discuss\u00f5es pol\u00edticas de vi\u00e9s patri\u00f3tico e intervencionista. Para as classes emergentes e para os rec\u00e9m-chegados \u00e0 era digital era o primeiro movimento pol\u00edtico em redes digitais que participavam, um encontro tardio com um ciberativismo.<\/span><\/p>\n \u00c9 sempre bom lembrar que o Brasil \u00e9 um pa\u00eds continental, mas com uma estrutura de comunica\u00e7\u00e3o centralizada e hegem\u00f4nica, formada por oligop\u00f3lios com base no eixo Rio-S\u00e3o Paulo. A novela das nove que um ribeirinho do Amazonas assiste \u00e9 quase sempre filmada em algum bairro de classe m\u00e9dia alta do Rio de Janeiro ou S\u00e3o Paulo. Os jornais di\u00e1rios e os programas dominicais s\u00e3o verdadeiros c\u00e2nones que se repetem com a mesma estrutura e linguagem h\u00e1 d\u00e9cadas. Os principais partidos e suas coliga\u00e7\u00f5es, PSDB e PT, possu\u00edam nesta elei\u00e7\u00e3o o maior tempo de televis\u00e3o, cinco minutos e meio para o primeiro e dois minutos e meio para o segundo. As coliga\u00e7\u00f5es majorit\u00e1rias apostaram grande parte de suas fichas, ou melhor, suas moedas, no caro e moroso processo da campanha televisiva. Enquanto isso, Bolsonaro costurava uma alian\u00e7a com Steve Bannon, nada mais do que o diretor executivo da campanha presidencial de Donald Trump, estrategista do Brexit e consultor de partidos de extrema direita europeus.<\/span><\/p>\n