A idade chegou, mas Paul não se importa

Atencioso e atento às novas tendências, McCartney segue “na estrada”, mas não se sabe por quanto tempo mais


Por Homero Gottardello

Ilustração de José Zavagli de Almeida Macedo – 6 anos

A apresentação de Paul McCartney amanhã, em Salvador, pode e deve ser a última em solo brasileiro. É que para além de todos os adjetivos que o ex-Beatle mereça, da reverência de seu fiel público, da qualidade de Primeiro Mundo presente em todos os detalhes da turnê “One on One”, a idade chegou para McCartney.

Ontem, no Mineirão, ele desfilou 39 de seus maiores sucessos em mais de duas horas e meia de muita diversão, sem ideologia, sem preconceito, sem que nada se colocasse entre os mais de 50 mil presentes e sua música. Quem o viu ao vivo pela primeira vez pode não ter percebido – e não há nenhum demérito nisso –, mas quem acompanha o artista há mais tempo nota um indisfarçável envelhecimento em sua voz e um indissimulável comedimento em seus gestos, aquilo que chamamos de ‘peso dos anos’.

Se existe um consenso entre os autores das biografias sérias de McCartney, ele diz respeito à sua vocação para popstar. Dos amigos de infância aos outros Beatles, todos são unânimes em afirmar que Paul sempre teve o sucesso em seu horizonte, que ele desejou e se preparou para o estrelato como nenhum outro. Que todo o êxito que obteve e ainda obtém é resultado de um trabalho minucioso e, principalmente, de uma aptidão para a celebridade. Em suma, é isso o que o mantém ‘na estrada’ aos 75 anos. Ativo, atencioso, atento às novas tendências.

Mas nada é eterno…

Então, Paul McCartney vai se aposentar?!?

Nem todo mundo sabe que, além de comandar sua banda no palco, Paul produz discos, toca projetos paralelos como o duo The Fireman, compõe trilhas sonoras para cinema e balés, além de música de concerto. A aposentadoria é, portanto, algo muito radical para um músico tão versátil, tão dinâmico. Mas as turnês são desgastantes e o dinheiro que delas advém não parece fazer McCartney significativamente mais rico. A fama também parece ser uma condição com que Paul já se acostumou – afinal, quem é mais famoso que ele?

Suas duas últimas voltas ao mundo, com as turnês “Out There”, que teve 91 apresentações entre 2013 e 2015, e esta “One on One” que, do Brasil, segue para Colômbia, México, Austrália e Nova Zelândia, chegando a 78 apresentações, desde abril de 2016, foram as maiores e mais rentáveis séries de sua carreira. Ou seja, empresarialmente tudo aponta para o fechamento de um ciclo que começou em 1989 e que, de lá para cá, já contabilizou mais de 550 shows.

 

Coda

Ontem, no Mineirão, outras evidências apontaram para este Coda: a voz de McCartney não é – e nem haveria de ser – mais a mesma. Apesar de toda sua ‘malandragem’, Paul não sustenta mais as notas, não tem mais o alcance da mocidade (apesar de, corajosamente, manter o mesmo tom de 50 anos atrás, em algumas canções). E não tem nem mesmo o brilho e a força de apenas três anos atrás. Ontem, em Belo Horizonte, poucas pessoas perceberam este enfraquecimento, mas, daqui para frente, a distância entre passado e presente será cada vez maior. Não acredito, sinceramente, que a vaidade do ex-Beatle seja maior que sua autocrítica.

Outra coisa que chamou atenção foi o descolamento da plateia. Se, antes, os beatlemaníacos faziam dos shows de McCartney uma verdadeira comunhão, ontem, eu me arriscaria a dizer que pelo menos 40% do público, de meninas que usavam sapatos com sola vermelha a rapazes com aquelas camisas com brasões costurados, estava ali para ver e ser visto. Pior, foi a primeira vez que vi uma briga em uma de suas apresentações – e justamente no setor mais “elitizado”. Os “lados B” incluídos no repertório eram totalmente desconhecidos desta parcela dos presentes e sua atenção difusa dava uma clara amostra de que, se o próprio Paul já não é o mesmo, imagine a audiência!

A pirotecnia, uma marca registrada das turnês anteriores, também foi reduzida. A maior parte dos fogos, agora, é virtual – projetada nos enormes telões. A luz e o som não ficam para trás de nenhum outro artista do mainstream, mas houve gente se queixando de que o volume estava baixo, que o contrabaixo estava muito alto, que a técnica demorou para acertar os controles no início da apresentação, só então dando o destaque merecido para a voz do protagonista. A reverberação, que é um fenômeno físico inexorável em estádios como o Mineirão, também incomodou quem estava em uma posição central, mas nada que comprometesse o padrão de qualidade do espetáculo.

Bom, também, foi ver que o repertório que o “O Beltrano” antecipou com quase dois meses de antecedência acertou 35 das 39 músicas executadas, ontem, leia aqui. Se o amigo que nos lê tiver a oportunidade de ver qualquer um dos shows que, por enquanto, encerram esta turnê, recomendo que o faça. Porque pode ser que você não tenha outra oportunidade…

Mas, afinal de conta, quem sabe?!?