Biografando o lado B

Evaldo Braga e Carlos Alexandre ganham biografias que mostram o lado obscuro da canção brasileira


Por Bruno Azevêdo*

 

1988. Estouradíssimo nas paradas com sucessos como “Feiticeira” e “Arma de Vingança”, o cantor Carlos Alexandre chegou bêbado ao hotel com seus amigos de banda. Dormiram. Naquela madrugada fria da capital paulista, um baque surdo estremece o apartamento e acorda o guitarrista Niltinho. Ele corre e encontra o patrão e amigo de longa data estendido no chão da sala, contorcendo-se e delirando.

“É o negão, é o negão! Queria me levar. Ele disse que tenho que ir embora com ele”, diz Carlos Alexandre, em transe. O fantasma que o cantor via era Evaldo Braga.

A história poderia estar na revista Kripta, se não estampasse a capa da Contigo. No ano seguinte, após outros tantos sonhos intranquilos, o cantor capixaba de apenas 33 anos perde a vida num desastre de automóvel na volta de um show. Era 31 de janeiro, mesmíssimo dia no qual, 16 anos antes, Evaldo Braga, também no retorno de um show, morreu quando seu carro colidiu contra um caminhão.

Não é só na morte que os caminhos dos dois cantores coincidiram, como se pode ler nas suas recém lançadas biografias: “Eu não sou lixo: a trágica vida do cantor Evaldo Braga” (Editora Noir, 310 páginas), do jornalista Gonçalo Júnior; e “O homem da feiticeira: a história de Carlos Alexandre” (Caravela, 378 páginas), do também jornalista Rafael Duarte. Os livros detalham as vidas de dois dos maiores astros da música brega. Duas personalidades complexas, com vidas marcadas por tragédias bem piores do que as mazelas de amor das letras pelas quais ficaram famosos.

Também não parece coincidência que ambos ganhem biografias com tão pouca distância de tempo entre si.

 

 

 

EU NÃO SOU LIXO

O jovem muito bonito, sorridente e educado, esconde um segredo.

Ascendente na carreira, chora pelos cantos um cisco caído em seu olho na infância, que resiste a qualquer colírio. Mas para seus pares, ele aparece sempre feliz, e é apontado como um exemplo nas salas de jantar das famílias brasileiras. Seus colegas o têm em alta conta. Até que ele morre num desastre de automóvel. À boca miúda, se diz que a morte foi por desgosto.

O enrredo lembra uma peça do Nelson Rodrigues, mas estamos falando de Evaldo Braga, o Ídolo Negro.

Autor de sucessos como “Sorria, sorria”, “Eu não sou lixo” e “Mentira”, Braga tinha como marca a voz potente e uma presença fulminante, alinhadíssima no melhor estilo pilantragem consagrado por Wilson Simonal. Além disso, trazia sempre um terço enrolado à mão esquerda, que lhe dava um toque de beato inofensivo.

Suas canções eram marcadas pela tragédia e por amores desandados, que ele encarava com sangue nos olhos, em versos como “nunca mais na minha vida eu vou te dar o meu amor”, “vou lamentando a sorte que a vida me deu”, “esconda o pranto num sorriso” e “você não presta, meu amor”. Tudo embalado num groove poderoso e colorido de metais. As canções de Evaldo tocaram fundo o coração dos ouvintes quando apareceram, no começo dos anos 1970.

Mas, apesar do sucesso enorme e instantâneo, o cantor, falecido em 1973, ganharia facilmente o prêmio que o amigo Chacrinha oferecia no quadro “Sua miséria vale um milhão”, no qual o prêmio era concedido ao miserento capaz de extrair mais lágrimas da plateia. Também não faria feio num daqueles filmes de superação da Sessão da Tarde.

Há diversas teorias sobre o nascimento de Evaldo Braga. A mais famosa diz que era filho de uma prostituta e que teria sido por ela abandonado numa lata de lixo (de rua, de uma família ou de um orfanato) por não ter condições para criá-lo. O cantor teria sido recolhido e levado à Funabem, onde viveu até os 18 anos, sem informações sobre sua ascendência.

O próprio cantor reformulava sua origem constantemente: em uma entrevista, disse que foi resgatado por uma freira, noutra, por uma senhora “muito pobre”, só pra na seguinte aumentar o drama da infância numa variação do tema do abandono e resgate. Recentemente uma nova versão veio à tona, quando um suposto irmão disse que o cantor seria filho da amante de seu pai, enjeitado pela madrasta e expulso de casa logo cedo. Há consenso e documentação sobre a Funabem. Um processo para comprovação de parentesco segue em segredo de justiça. Antônio Carlos, o tal irmão, e seu advogado não comentam o assunto.

Na juventude, Evaldo Braga foi amigo e inimigo do jogador Dadá Maravilha, cuja narrativa é usada como escada pelo jornalista Gonçalo Junior no recém lançado “Eu não sou lixo: a trágica vida do cantor Evaldo Braga” (editora Noir), primeira biografia do cantor. Pesquisador prolífico, Junior lança mão de farta documentação e dezenas de entrevistas para entender a vida do cantor de carreira meteórica.

A infância na Funabem foi marcada por violência e disputa. Dadá envolveu-se com o crime, mas não há evidências de que Evaldo (ou Pato Rouco, como era chamado) tenha inveredado por esse caminho ou cometido qualquer delito. Não teria outro interesse que não o canto e foi abstêmio até o começo da fama. Os dois alimentavam sonhos de estrelato, um no esporte, e o outro no mundo fonográfico. E se detestavam por isso.

Evaldo saiu do orfanato com um diploma de cozinheiro, foi garçom, agente de viagens e trabalhou em uma funerária, até demitir-se pelo sonho do palco. Comprou uma caixa de engraxate e passou a ocupar o posto em frente à rádio Metropolitana, na esperança de que algum bidu o ouvisse e o levasse para dentro. Por pena, os funcionários o deixavam dormir no sofá da emissora.

Evaldo participava de shows de calouros e passava fome quando foi contratado pelo cantor Nilton Cesar para trabalhar como seu divulgador. “A primeira coisa que eu falei foi mentir que estava com bastante fome, pois achei que Evaldo devia estar faminto e ficaria constrangido se eu perguntasse isso ou lhe oferecesse uma refeição”, revela Cesar na biografia.

O vaidoso Evaldo não tinha onde cair morto. O trabalho com Cesar e, logo após, com Lindomar Castilho, começou a lhe conferir alguma dignidade, e não demoraria pra que conseguisse se valer desse networking para iniciar a própria carreira. Evaldo não só conseguiu ajudar seus dois patrões, como construiu um nome no meio como profissional e talentoso cantor, que se apresentava de graça nos espetáculos promovidos por disc jockeys de rádio nas periferias das cidades com uma presença de palco avassaladora.

 

 

 

O trabalho lhe rendeu um contrato para a gravação de dois compactos pela RCA, em 1969 e 1970, que não tiveram grande impacto. Era uma figura frequente, mas pequena. Ainda assim, em sua primeira aparição na TV, ao lembrar da infância dura e evocar a figura da mãe, Evaldo simplesmente desmaiou, saindo da emissora de ambulância. Evaldo Braga estava ali à sério.

Já na Phonogram/Polydor, ganhou o apelido de “O ídolo negro”. Gravou os dois discos que o tornariam famoso (O ídolo Negro Vol. 1, de 1971, e o Vol. 2, de 72) e viveu seus últimos anos longe da penúria. No começo dos anos 70, o cantor era arroz de festa em programas de auditório como o de Flávio Cavalcanti e Chacrinha, doava boa parte do seu dinheiro ao orfanato onde cresceu e parecia viver o sonho do menino pobre que ganha a vida no show bizz.

Mas Evaldo jamais esqueceu a ideia de encontrar a mãe que o “abandonara”. Comprava vestidos pensando em como ela ficaria bonita neles, e quando recebeu a primeira cópia do primeiro compacto confessou a um amigo como orgulhosa ficaria sua mãe se presenciasse aquele momento.

As várias versões de sua origem que ele mesmo deu a revistas e programas de TV, com variações sobre quem o havia recolhido, parecem querer dizer que ele não sabia mesmo de onde vinha, mas também que tratava sua infância trágica como mercadoria. No mundo do brega, a biografia anda juntinho ao marketing.

O fato é que sua obra, mesmo que eventualmente composta por outros compositores, cabia como uma luva em sua trajetória, da mesma forma que Roberto Carlos também parecia interessado em se construir naquele mesmo período. Canções como “Eu não sou lixo” alimentavam o mito da criança abandonada (uma canção de amor romântico que evocaria o abandono pela mãe) e “A cruz que carrego” falava sobre o calvário de não se saber a origem. O amor que Evaldo Braga cantava era um amor não só abandonado, mas raivoso, vingativo, permeado por uma constante ideia de morte, como no trecho “sorria da infelicidade que você procurou”. Não há um pinguinho de humor nas 37 canções que gravou, apesar de ele ser descrito como um cara doce e alegre.

 

 

 

Mas contra a ideia de que a associação das canções de Evaldo Braga e sua biografia e infância trágica tenha sido simplesmente uma bela jogada de marketing da gravadora, Gonçalo Junior nos dá a entender que a dor do cantor era muito real. Nos últimos anos, Evaldo Braga dava sinais de mudança: começou a beber e a fumar, e se tornara ácido, amargo. Foi essa dor toda que ele deixou não só marcada em suas canções, mas que levava consigo ao morrer na BR-3 naquele janeiro de 73.

 

 

 

FEITICEIRA

Pedro era o sétimo dos oito filhos de Manoel Barbeiro e Dona Amélia. Manoel era barbeiro por bico, agricultor por profissão e mulherengo talhado à fina flor de Nelson Gonçalves e outros grandes boêmios de vozeirão. Dona Amélia… bem, dona Amélia dormia no pisador, fazendo jus ao que outro boêmio, Mário Lago, vaticinou para o seu nome. Grávida, cruzou o sertão com o marido e os seis filhos em busca de uma roça. Chegaram em 1957 a Santa Fé, lugarejo com menos de 200 almas no interior do Rio Grande do Norte, onde Pedro Nasceu.

“Assim que o pau de arara partiu com Manoel, Amélia se viu sem emprego e com oito crianças em casa”. A narrativa ágil traçada pelo jornalista brasiliense Rafael Duarte em “O homem da Feiticeira: a vida de Carlos Alexandre” (Caravela Cultural) chama a atenção, de cara, pela brutalidade. É um Vidas Secas sem Fabiano e sem Baleia. Sobra uma mulher sem emprego e qualificação, com 8 filhos pra criar; filhos de um marido que vivia uma “vida de solteiro” e sumia por dias com violeiros andantes e rabos de saia. Manoel não tardou a formar outra família em São Paulo, para onde foi, enquanto Amélia caía na roça pra garantir a única refeição diária que conseguia dar para as crias… até que se viu obrigada a entregar a prole e seguir ela mesma para a capital. O plano era trabalhar em Natal até conseguir dinheiro para reaver as crianças. E assim o fez, não sem antes comer o pão que o diabo amassou, estigmatizada falsamente como prostituta pelos próprios filhos. Amélia os recuperou aos poucos. Quando Manoel voltou a Santa Fé, para onde não havia enviado um centavo, amaldiçoou a ex-mulher e foi atrás somente dos meninos. Três seguiram com ele.

 

 

 

Enquanto Amélia e Manoel dividiam as crianças, Pedrinho crescia. Dado pela mãe à avó paterna, que o deu a um casal de agricultores, Pedrinho se sentia enjeitado. Chegou sem sobrenome à casa adotiva e, num espelho com a condição de Evaldo Braga, cresceu sob o estigma de ter sido abandonado pela mãe “prostituta” que foi para a capital.

Carlos Alexandre era um pote até aqui de mágoas. O menino chegou a Natal aos 15 anos, embora a certidão de nascimento contasse dois a mais. Na ânsia de emancipar-se, pediu ao pai adotivo que fraudasse o registro. Antônio aquiesceu e assinou com o polegar. Já afeito ao violão e à cachaça, o adolescente começou a trabalhar na padaria de um dos irmãos biológicos, onde distribuía brindes às moças e à rapaziada, se tornando rapidamente um cara popular, tendo sempre de prontidão uma canção qualquer de Evaldo Braga ao violão. A carreira começou timidamente, na calçada da padaria, já com um dos seus grandes sucessos, “Vá pra cadeia”, de 1976.

Carlos Alexandre não teria chegado muito longe não fosse a presença de outra mulher fortíssima: Solange era estudante e ganhava alguns tocados como babá e costureira. No começo resistiu aos galanteios do cantor-padeiro, até ser homenageada com uma canção, “Arma de vingança”, na qual um amante preterido reclamava ter sido usado para fazer ciúmes ao namorado de sua musa. A arma atingiu o alvo e ali começou um namoro que duraria até a morte do cantor. Solange cuidaria não somente do começo da carreira de Carlos Alexandre, mas do figurino e da aparência daquele menino pobre com seis dentes a menos. Foi ela quem enxergou no talento do padeiro um futuro e o inscreveu nos primeiros concursos musicais e programas de rádio, como o de Carlos Alberto. O famoso radialista e político anunciou, como parte de sua campanha para deputado federal em 1978, a formação de uma caravana com cinco artistas para showmícios pelo interior. Estes seriam escolhidos por concurso, cujo prêmio seria integrar o trenzinho eleitoreiro e gravar, em São Paulo, um compacto pela RGE.

Pedrinho gravou duas canções, que foram sumariamente rejeitadas pelo radialista. Solange ouviu de esguelha um papo do radialista ao telefone, reforçando a um correligionário que continuaria a doação de cadeira de rodas nas eleições. “Solange repetiu e sugeriu ao namorado que fizesse uma música sobre o trabalho de um político que ajudava os pobres”, conta Rafael Duarte na biografia. Naquela noite nasceria um dos mais infames bregas daquela geração, a “Canção do paralítico”, que garantiu a Pedrinho (ali mesmo rebatizado Carlos Alexandre, nome da criança de quem Solange era babá) não só uma vaga na caravana, mas um contrato, o compacto pela RGE, o apadrinhamento por um político poderoso, e uma carreira.

 

Carlos Alexandre passou então a ocupar picadeiros do interior, promovendo Carlos Alberto e construindo a carreira. Era ainda um “pobre lascado” que trabalhava na padaria do irmão e tinha uma namorada gestante. Viajava de pau de arara, de carona em caminhões de galinhas, dormia em rodoviárias com o produtor. Chegou a vender a aliança de casamento para pagar o táxi para um show que não deu ninguém.

Desde o início o cantor já mostrava seus dois maiores sinais de caráter: o humor e a violência. Se Evaldo Braga cantava sem risadas, Alexandre assumia a galhofa do brega de picadeiro do final dos anos 70 com canções hoje absurdas, como a tal “A canção do paralítico” (oh, meu Senhor / aqui na terra onde estou tem um político / que reconhece que o Senhor acha bonito / quando vê um paralítico sorrindo); ou “Senhor delegado” (senhor delegado, solte esta mulher / preciso dela cedinho / pra fazer o meu café / Senhor delegado, como posso viver? / Ela estando na cadeia / Falta em casa o que eu comer).

Na sua obra aparece uma vasta gama de personagens e situações ora engraçadas, ora brutais, ora ambas: ciganos, jagunços, chifres de toda sorte, vinganças, tabefes e afrontas estilo “tome uma garrafa de cana, sai por aí toda bacana, eu não te quero mais. Sai de mim, mulher esculhambada”. Carlos Alexandre estava afinadíssimo com as sensibilidades populares que Roberto Carlos, na mesma época, já havia convertido em canções de motel e Ave Marias. O potiguar estava cercado de domésticas, palhaços de circo, caminhoneiros e gente da rua sobre os quais cantava e pra quem cantava num figurino extravagante de caubói multicolorido, com falsos ares de bom-mocismo. Nunca se afastou desse pessoal. Mesmo quando ficou famoso e recebia mil cartas por mês, fechava cabarés e restaurantes de rodoviária pra sua entourage. “Feiticeira”, seu maior sucesso, é exemplo maior desse charme popular.

Alexandre era obcecado por Evaldo Braga. Ainda no começo era conhecido como o cantor “que parece Evaldo Braga”. Em 1982, compôs “Revelação de um sonho”, em parceria com Maurílio Costa, uma longa narrativa costurada com versos do Ídolo Negro. Também gravou, no mesmo ano, um álbum de covers de Evaldo.

 

 

Carlos Alexandre foi um homem complexo, capaz de chorar em conversas de bar por ter sido dado à adoção. Bebia muito e chegou a ter 36 carros novos ao mesmo tempo. Era extremamente generoso com os amigos e eventualmente cruel com a esposa. Tinha casos longos e inventava shows, mobilizando a banda para passar um final de semana com uma chacrete. Era capaz de comprar e dar a escritura de um bar à mulher que seria despejada por não poder pagar o aluguel, e em outro momento despejar a própria mãe biológica. Tinha dezenas de affairs, mas quando a gravadora lhe pediu que mudasse um verso de “Feiticeira”, composta para Solange, de maneira que “por ela casei” virasse “por ela gamei” (afinal, o selo não lucraria com um sex symbol casado), disse que tinha de pedir autorização à esposa, a mesma mulher que lhe apontou uma arma pedindo que respeitasse ao menos a família, a mesma mulher que com ele estava no reveillon de 89, quando, no momento de redenção com Amélia e os irmãos, o cantor teve uma crise de choro e não conseguiu falar mais nada.

Carlos Alexandre viveu com o coração na mão.

 

 

 

LADO B

O historiador François Dosse disse certa vez que a biografia é uma espécie de monstro, um tipo de romance com um pé na história, que pede alguma suspensão de descrença do leitor – voyeurismos aos rasgos e fixações em torno da vida de um desconhecido. Escrever uma vida, segundo ele, é um “horizonte inacessível” no qual, como a história, escreve-se primeiro no presente.

Da mesma forma, pode-se dizer muito de uma sociedade por aqueles que ela escolhe biografar, e quando. Gênero necrófilo por excelência (biografia em vida chama-se propaganda), uma biografia se escreve no pós-morte, e nesse hiato entre a vida e a história da vida constrói-se o defunto. O que acontece depois da morte, a influência do personagem na sociedade e as mudanças nessa sociedade são parte da “vida” do biografado.

Daí não faz mal perguntar: Por que Evaldo Braga e Carlos Alexandre estão sendo biografados agora?, décadas após o auge de suas popularidades… e, ainda, por que a imensa maioria dos seus colegas de fossa e picadeiro não tiveram um biógrafo pra chamar de seu? Terão? Como, raios, figuras como Nelson Ned, Waldick Soriano, Altemar Dutra e Lindomoar Castilho, cujas vidas se embolam às suas obras, ainda estão somente nas prateleiras de discos? O mais próximo que chegamos disso foi em “Eu não sou cachorro, não”, lançado em 1995 por Paulo Cesar de Araújo (sim, o mesmo biógrafo censurado de Roberto Carlos), que perfila vários cantores bregas para construir uma tese sobre a canção cafona na ditadura militar.

Aí há um jogo duplo: por mais que estes cantores tenham sido (e sejam) populares, suas canções e vidas são dadas como “simplórias” se comparadas à áurea mítica que envolve os medalhões da MPB. A venda de CDs dos cantores de brega é diretamente proporcional à das biografias dos cantores de MPB.

O mercado de biografias no Brasil anda aquecido, como mostra qualquer estante de livraria. Celebridades de maneira geral são chafurdadas em livros que se esgotam rapidamente. O assunto já rendeu polêmicas vergonhosas como as de Roberto Carlos e o grupo Procure Saber em torno de “Roberto Carlos em detalhes”. Ou a mutilação da biografia de Paulo Leminski pela família do poeta. Até Caetano Veloso deu uma de censor de sua própria vida, alardeadamente dedicada à “liberdade”.

 

 

 

CONVERSA LONGA

O que interessa aqui é que Carlos Alexandre e Evaldo Braga são dois cantores sem o Lado A da nossa música, e suas vidas e dramas mostram o Lado B também da sociedade brasileira, com seus tipos populares e canções de amor despudoradas para tocar na rádio AM. Gonçalo Junior e Rafael Duarte têm fôlego e tesão nos seus trabalhos.

Autor da recente biografia do cantor Belchior, o jornalista Jotabê Medeiros me disse que seu livro (Belchior, apenas um rapaz Latino Americano, lançado pela Todavia) está sendo ameaçado pela irmã do artista cearense de ser tirado de circulação. Pelo jeito não dá pra biografar como convém.

O biógrafo brasileiro é uma espécie de cantor de brega.

*Bruno Azevêdo é historiador. Autor, entre outros livros, de “Em ritmo de seresta, música brega e choperias no Maranhão” (Edufma, 2014).