O quarto ataque

Terreiro de umbanda Casa Espírita Império dos Orixás, em Mário Campos, volta a ser alvo de ação criminosa. É o quarto ataque a terreiros de umbanda da Região Metropolitana de BH desde julho do ano passado


Por Lucas Simões

 

Na madrugada de terça-feira (30/01), a Casa Espírita Império dos Orixás Nossa Senhora da Conceição e São Jorge Guerreiro, em São Joaquim de Bicas, a 44 quilômetros da capital, voltou a ser alvo da ação de criminosos encapuzados. O mesmo terreiro foi depredado em outubro do ano passado, em ação liderada por um policial militar (https://goo.gl/1MwaEx).

Segundo a denúncia do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), por volta da meia noite da última terça-feira, quatro homens armados e encapuzados invadiram o sítio onde o terreiro funciona há oito anos, renderam uma família em casa, em um quarto, e roubaram os documentos do terreiro, incluindo a escritura do imóvel. “Eles ameaçaram uma idosa, uma bebê de dois meses, com armas na cabeça. Falaram que iam matar as pessoas. É a segunda vez em quatro meses e a PM não fez nada”, diz Makota Celinha, presidenta do Cenarab. A 7ª Cia Independente de Polícia Militar de Mário Campos informou que não teve registro de acionamento com denúncia de violência em “nenhum sítio ou terreiro de umbanda” na noite de terça-feira (30/01).

Em outubro do ano passado, o Beltrano denunciou a ação de cinco homens, incluindo o policial militar reformado João Camargo, responsável por liderar um ataque de destruição ao mesmo terreiro, empunhando uma motosserra e revólveres. Na época, a Polícia Militar também informou que não havia registrado boletim de ocorrência sobre o caso e o tenente Fidélis, responsável pela região de Mario Campos que faz divisa com São Joaquim de Bicas, não retornou os contatos da reportagem para confirmar se a PM tinha conhecimento sobre o ataque, que destruiu imagens santas, arrancou a fiação elétrica e o encanamento de água.

Desde julho do ano passado, quando o terreiro Centro Espírita Candomblé Ilê Axé e Sangô, em Sata Luzia, também na região metropolitana, foi proibido de usar os tradicionais atabaques (https://goo.gl/tLzy5B) e ameaçado de fechar por ação do Ministério Público, as ações criminosas contra terreiros não tiveram trégua. Pouco depois, outro terreiro da cidade, o Manzo Nogunzo Kaiango, situado no bairro rural de Bonança, também foi alvo de ameças de outro policial militar evangélico, que não aceitava a presença do terreiro na mesma rua onde ele mora. (https://goo.gl/uZEmgF). Após passeatas organizadas pelo Cenarb cobrando respeito às religiões de matrizes africanas, uma pastora de Santa Luzia gravou um áudio associando o candomblé à Satanás (https://goo.gl/eH8CHF), dizendo que “nós, como igreja, vamos estar quebrando isso”.

Makota Celinha, do Cenarab, cobra a instauração de um ‘comitê de crise’ no Governo de Minas, para tratar dos casos sistemáticos. “Temos dito que é uma tragédia anunciada, desde o ano passado. Após a ação do Ministério Público, os ataques não param. Fizemos diversas passeatas e atos públicos em sinal de paz, pedindo respeito. Mas os ataques continuam, e não temos respostas da polícia sobre isso. Então, o governo deve agir”, diz Celinha.

Segundo ela, desde outubro do ano passado o Cenarab tenta abrir um ‘comitê de crise’ no Governo de Minas sobre os casos de violência aos terreiros, mas não teve retorno do secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac), Nilmário Miranda, que acompanhou os casos de agressões e chegou a visitar o terreiro Casa Espírita Império dos Orixás ano passado. Na quarta-feira (31/01), porém, Nilmário deixou o Secretaria, uma vez que será candidato nas eleições deste ano, e informou, por meio da assessoria de imprensa, não poder comentar os casos.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG, William Santos, também frisou que cobrou posição mais firme do Governo de Minas, mas sem retorno até o momento. “Nós acompanhamos agressões sérias desde o ano passado, repudiamos e pedimos atenção ao secretário (Nilmário). É preciso que o governo dialogue com seriedade sobre o que está acontecendo”, disse.

Em resposta, o subsecretário da Sedpac, José Francisco da Silva, informou que o governo mantém o Comitê de Respeito à Diversidade Religiosa desde 2016, mas, ainda assim, reconhece a gravidade dos ataques. “O Comitê traça políticas públicas que visam o respeito a todas as religiões. Mas, reconhecemos essa situação grave (sobre os terreiros) e temos dado apoio, inclusive com o secretário Nilmário indo pessoalmente a um dos terreiros e participando de uma oitiva com a família agredida na Defensoria Pública”, disse o subsecretário.

Questionado sobre a denúncia do Cenarab, de que a Polícia Militar (PM) teria sido negligente em não registrar boletins de ocorrência relacionados a agressões aos terreiros nas cidades de São Joaquim de Bicas e Santa Luzia, o subsecretario informou que encaminhou nesta quarta-feira (31/01) um ofício à Ouvidoria da Polícia Militar com as denúncias relatadas pelo Cenarab. Além disso, ele também expôs os casos de ataques aos terreiros ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos e Apoio Comunitário (CAO-DH), que abriu investigação para apurar os fatos.

“Nós não temos um poder investigativo, de mandar investigar. Isso é com a polícia. Mas, temos acompanhado as situações de violência e cobrado dos órgãos competentes respostas. Por que não vamos admitir qualquer intolerância religiosa, principalmente com violência, no Estado”, completou José Francisco.