Pimentel veta avanços do Plano Estadual de Cultura

Conjunto de oito vetos do governador não autoriza investimento de 1,5% na cultura e impede a análise, nos próximos dez anos, de novas formas de financiamento que evitem vícios como a concentração de recursos. Restrições ainda serão votados em plenário pelos deputados, na semana que vem.


Por Lucas Simões

foto: José Cruz/Agência Brasil

O Plano Estadual de Cultura de Minas Gerais, que estabelece diretrizes para os próximos dez anos, irá mutilado a plenário, na próxima semana, para votação definitiva dos deputados. Oito vetos impostos pelo governador Fernando Pimentel (PT) estão sendo contestados pela classe artística, principalmente do setor de audiovisual.

Instituído em agosto deste ano pela Lei 22.627/17, o Plano Estadual de Cultura foi elaborado pelo Executivo após consultas e reuniões com agitadores culturais e a sociedade em geral. O projeto atende a uma exigência do Sistema Nacional de Cultura (SNC), que prevê a revisão das políticas dos Estados para a área a cada década — uma forma de assegurar que, mesmo com a alternância de governos a cada quatro anos, os programas previstos tenham continuidade.

Apesar disso, alguns vetos do governador Pimentel vão justamente na contramão das recomendações do Sistema Nacional de Cultura. Entre eles, a exigência da aplicação de, no mínimo, 1,5% da receita de impostos no Sistema Estadual de Cultura e na implementação políticas para artes e cultura, como prevê o SNC.

O governador também vetou itens que estabelecem novos canais de financiamento para o setor cultural, como por exemplo a destinação de parcela da receita de impostos diversos, como o IPVA e a Loteria Mineira, para o Fundo Estadual de Cultura.

Além disso, também foi vetada a realização de um estudo para criar uma agência ou órgão regulador de captação de recursos públicos destinados à cultura. Hoje, a Lei Estadual de Incentivo à Cultura é o principal canal de patrocínio e financiamento de milhares de projetos em todo o Estado. Segundo o secretário de Estado de Cultura, Ângelo Oswaldo, o maior problema é que, nas últimas duas décadas, 80% dos recursos da cultura ficam concentrados na região metropolitana de Belo Horizonte, sendo patrocinado por um grupo enxuto de apenas 20 empresas — o que configura um claro “vício de mercado” na política cultural mineira.

Para Marco Aurélio Ribeiro, do Conselho Estadual de Cultura e da Associação Curta Minas, são “estranhos e contraditórios” os vetos do governador no que diz respeito aos investimentos descentralizadores na cultura. “O discurso do governo tem sido o da descentralização da cultura, e dos mecanismos para fazer isso. Mas, na prática, como você diversifica recursos, investe mais no interior e em projetos diferentes, se não amplia esse leque? O governador vetou tudo que podia estabelecer, a longo prazo, um investimento diferenciado e realista na cultura. Não sei como ele vai descentralizar recursos assim”, questiona Marco.

Audiovisual

Um dos pontos centrais do projeto original previa que 70% da programação da Rede Minas, a TV pública mineira, seria preenchida com conteúdo produzido no Estado, sendo metade desse percentual oriundo do interior, em um prazo de até dez anos.

Apesar disso, para Ewerton Belico, curador, diretor de cinema e membro do Fórum Doc, o Plano Estadual de Cultura virou “um inimigo da produção cultural” e, especificamente, do audiovisual, por não prever nenhum novo instrumento de fomento ao cinema mineiro.

Segundo ele, o fato de a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) ser a única mantedora fixa de projetos audiovisuais no Estado não garante a produções longa-metragem, curta-metragem e documentário. “Para mim, mais importante do que manter 70% da programação produzida por mineiros na Rede Minas, é garantir que o edital que a Codemig fez com a Rede Minas, por exemplo, um edital muito importante, aconteça periodicamente, com previsibilidade de frequência. Além disso, não existe qualquer fomento para o curta-metragem. O único é pelo BDMG, que premia quatro curtas por ano de orçamento baixíssimo, e que no último edital teve 100 inscritos”, avalia Ewerton.

Neste ano, um edital da Codemig através do Programa de Desenvolvimento do Audiovisual Mineiro (Prodam) destinou R$ 1,5 milhão para 16 filmes nas categorias de ficção, animação e documentário. Apesar disso, o próprio Prodam ainda não foi completamente elaborado enquanto política sólida. “Nós não concluímos até hoje os trabalhos do Prodam, como definir suas diretrizes, sua periodicidade etc. Isso mostra que o governo Pimentel caminha na contramão de uma política audiovisual integrada e a longo prazo”, completa Ewerton.

Reunião

Na próxima semana, a Associação Curta Minas irá se reunir com o Conselho Estadual de Cultura para debater os vetos do governador, em uma tentativa de reverter as restrições. Para Marco Aurélio Ribeiro, presidente da associação, é necessária uma discussão que não foi feita. “Os vetos deveriam ter sido, pelo menos, submetidos ao debate com o conselho. Vamos tentar fazer isso antes de eles irem a plenário”, disse Marco.

Em sua justificativa, o governador Fernando Pimentel alega que todos os vetos foram propostos porque os itens seriam inconstitucionais, uma vez que dizem respeito à organização dos órgãos da administração pública, que são de iniciativa privativa do governador.

Análise

O veto parcial do governador foi analisado por uma Comissão Especial da Assembleia Legislativa, presidida pelo deputado Duarte Bechir (PSD). Ele concordou com as restrições impostas por Pimentel, exceto por um item, que prevê viabilizar a destinação de recursos provenientes de créditos tributários da dívida ativa para o financiamento de projetos culturais. Ainda assim, na justificativa de Pimentel, esse dispositivo é visto como vinculação de receita tributária, o que é vedado pela Constituição.

Na próxima semana, os deputados votarão os vetos em plenário.

Para ler a manifestação completa do governador sobre os vetos, acesse este link: https://goo.gl/4C2EZM.