Pressão pelo Plano Diretor de BH

Grupo de 70 entidades cobra de Kalil, por carta, o Plano Diretor ainda para este ano. Após quatro anos de debates, projeto corre o risco de ser perdido


Por Lucas Simões

Foto: Breno Pataro PBH

Em uma novela que se arrasta há quatro anos, a aprovação do Plano Diretor de Belo Horizonte, que estabelece novas regras para a ocupação urbana, ainda está passível de reviravoltas. Para tentar agilizar o processo, nesta sexta-feira (20/10), às 12h, um grupo de 70 entidades vai protocolar uma carta na Prefeitura, cobrando que o prefeito Alexandre Kalil (PHS) reapresente o projeto e o submeta à votação na Câmara Municipal antes de dezembro.

A pressão tem motivo. O Plano Diretor foi elaborado em 2015 pelo Executivo, sob a gestão do ex-prefeito Marcio Lacerda, após intensos debates envolvendo mais de 6 mil pessoas, entre membros da sociedade civil, técnicos e empresários. As 647 propostas analisadas para o Projeto de Lei surgiram da IV Conferência Municipal de Política Urbana, organizada em 23 encontros e ao custo de R$ 4,7 milhões aos cofres públicos. O problema é que, ao ser enviado à Câmara Municipal, o PL 1749/2015 recebeu quase duas centenas de emendas e acabou retirado da pauta em dezembro de 2016, por falta de consenso entre os vereadores para aprovação.

“Por isso, o Kalil decidiu rever o projeto e apresentá-lo de novo à Câmara. Logo quando ele assumiu, se comprometeu, dizendo ser a favor do Plano Diretor, mas que o Projeto de Lei precisaria ser revisto, enxugado, porque, de fato, é bastante complexo e extenso, o que gerou muita discórdia. Nossa pressão é para que, nesta revisão, o PL mantenha alguns pontos que julgamos ser essenciais para uma BH melhor”, diz a arquiteta e urbanista Julia Birchal, do movimento “Vereador, Aprova o Plano Diretor”.

Caso não seja aprovado na Câmara Municipal em primeiro turno ainda neste ano, o novo Projeto de Lei que estabelece o Plano Diretor de Belo Horizonte corre risco de ter que ser discutido novamente, em nova Conferência Municipal de Política Urbana, prevista para 2018, reiniciando o processo praticamente a partir do zero.

“É de praxe que em todo primeiro ano de mandato o prefeito convoque a Conferência Municipal. Se não houver um plano diretor até este ano, existe o risco de um novo debate ter que ser pautado. E aí você joga no lixo todo um trabalho exaustivo e de participação popular, que consumiu quase R$ 5 milhões em dinheiro público. Não podemos deixar isso acontecer”, completa Julia.

Um dos pontos mais exaustivamente discutido refere-se à padronização do Coeficiente de Aproveitamento (CA), que deverá ser rebaixado para 1 em toda a cidade. Hoje, o coeficiente varia de 1 a 2,7, de acordo com a área pretendida para construção. Na prática, se o dono de uma propriedade de 1000 m² poderia ter permissão para construir até 2.700 m² de área, com a mudança, só poderá ter os 1.000 m² iniciais. Para avançar além disso, o proprietário ou construtor deverão pagar outorga à Prefeitura, numa espécie de contrapartida pelos impactos da obra.

 

Na carta a ser enviada ao prefeito, 70 entidades, entre elas a Pastoral de Rua, o Sindicato dos Arquitetos de Minas Gerais, o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-MG) e o Tarifa Zero, frisam a manutenção de 10 pontos que julgam essenciais para o novo PL do Plano Diretor.

“Queremos que a PBH mantenha o coeficiente igual a 1, mas que tenha a premissa de vender o aumento de coeficiente, de acordo com as possibilidades de cada área. É um dinheiro que a Prefeitura não arrecada hoje e, que, de acordo com o próprio Plano Diretor, poderia entrar em caixa para ser revertido para diversos fundos sociais, como o Fundo de Habitação, o Fundo de Mobilidade e o Fundo do Transporte Público, que sequer existe e poderia subsidiar a tarifa de ônibus. Hoje, a Prefeitura cede o aumento do coeficiente de aproveitamento (para as construtoras)”, diz Julia.

A carta também exige a preservação de áreas verdes remanescentes, como a Mata do Planalto, o Parque Jardim América e a Mata do Mosteiro — hoje, todas passíveis de construção, segundo a legislação municipal. O documento também cobra que as ocupações urbanas da cidade sejam reconhecidas como Zonas Especiais de Interesse Sociais (ZEIS) ou Áreas de Especial Interesse Social (AEIS).

“O Kalil também se posicionou favorável às ocupações quando assumiu e esperamos que ele mantenha a promessa. Essa mudança para as ocupações garante o investimento da Prefeitura, como mobilidade urbana, saúde e educação”, afirma Julia.

Leia abaixo a carta a ser enviada ao prefeito Alexandre Kalil:

“Kalil, libera o Plano Diretor!

Vereador, aprova o Plano Diretor!

Por que os movimentos sociais e populares apoiam a aprovação do Novo Plano Diretor de BH, contido no PL 1749/2015?

Previsto pela Constituição de 1988 e pelo Estatuto das Cidades de 2001, o Plano Diretor é o principal instrumento de planejamento e desenvolvimento urbano dos municípios brasileiros.

Belo Horizonte conta com esse instrumento desde 1996, o qual tem passado por importantes atualizações advindas das Conferências Municipais de Política Urbana, as quais indicam o rumo que a cidade deve assumir, a partir de um amplo processo de participação da sociedade civil organizada.

A última Conferência foi realizada em 2014 e é nela que se baseia o atual Projeto de Lei do Novo Plano Diretor. A necessidade de alteração do Plano hoje em vigor deve-se principalmente à impossibilidade de aplicação, em Belo Horizonte, dos instrumentos de política urbana previstos no Estatuto das Cidades. Tais instrumentos são fundamentais para a estruturação urbana de toda a cidade, para a redução de desigualdades sociais e regionais do Município e para a produção de uma cidade mais humana e sustentável para toda a população.

Tecnicamente avançada, a proposta traz uma concepção de Plano Diretor que permitirá enfim a utilização dos avanços preconizados pelo Estatuto das Cidades. Dessa forma, diversos movimentos sociais pela habitação, pela mobilidade e ambientalistas da cidade, bem como entidades técnicas e grupos de pesquisa, vêm pedir que a Prefeitura envie à Câmara o substitutivo, que se comprometeu a enviar durante seminário recentemente realizado nessa casa, para que ela possa enfim aprovar o Novo Plano Diretor de BH.

Para que essa aprovação atenda às demandas desses movimentos é necessário que o substitutivo a ser enviado pela PBH contemple os seguintes tópicos:

• Manter o CA – Coeficiente de Aproveitamento = 1 para todo o território municipal;

• Garantir um percentual obrigatório mínimo de geração de ODC – Outorga do Direito de Construir quando da utilização de potencial construtivo adicional, ou seja, quando for ultrapassado o CA básico;

• Garantir que recursos gerados pela ODC também em áreas de grandes equipamentos sejam destinados para o Fundo Municipal de Habitação;

• Garantir que a exclusão de áreas classificadas como ZEIS ou AEIS não ocorra sem o aval da Conferência Municipal de Política Urbana;

• Reconhecimento, como ZEIS ou AEIS, das ocupações urbanas já consolidadas;

• Inclusão de comunidades tradicionais já reconhecidas como remanescentes quilombolas pela Fundação Palmares em uma ADE Quilombos, a ser criada, incluindo a delimitação territorial das mesmas;

• Garantir que as diretrizes de ocupação e uso do solo de ADEs de interesse cultural sejam preponderantes sobre OUCs – Operações Urbanas Consorciadas que vierem a atingir o território das mesmas;

• Garantir a preservação de áreas verdes remanescentes, notadamente a Mata do Planalto, o parque Jardim América e a Mata do Mosteiro, dentre outras (através da utilização do instrumento de TDC, por exemplo);

• Garantir a instituição do fundo de subsídio ao transporte público;

• Estabelecimento de uma política de preços coerente com o preconizado na política nacional de mobilidade urbana.

A não aprovação do Novo Plano Diretor implicará na perda de R$ 4,7 milhões gastos pela PBH durante todo o processo participativo que culminou na IV Conferência Municipal de Política Urbana, da qual participaram mais de 6.000 pessoas.

A sua aprovação, por outro lado, será uma contribuição significativa para a melhoria da qualidade de vida na nossa cidade e uma forma de garantir uma Belo Horizonte para todas e todos”.

Assinam essa carta:

1. ACSCD – Associação Comunitária, Social Cultural e Desportiva dos Bairros Nova Suissa, Nova Granada, Jardim América, Salgado Filho e Gameleira

2. AHBPE – Associação Habitacional do Bairro Padre Eustáquio

3. AHCTNAR – Associação Habitacional e Comunitária Três De Setembro

4. ASCA Betânia

5. Associação Ascardoso

6. Associação Comunitária do Bairro Maria Goretti

7. Associação Comunitária do Planalto e Adjacências

8. Associação Comunitária e Habitacional Mariano de Abreu

9. Associação de Luta por Moradia Para Todos

10. Associação de moradores da vila da luz e anel rodoviário

11. Associação de Resistência Cultural da Comunidade Quilombola Manzo N’gunzo Kaiango

12. Associação do Desenvolvimento do São Gabriel

13. Associação Habitacional Bairro Casa Branca

14. Associação Habitacional do Bairro Padre Eustáquio

15. Associação Habitacional do Bairro Vila Clorís e Adjacências

16. Associação Habitacional e Comunitária Três de Setembro

17. Associação Habitacional Oito de Março do Barreiro e Adjacências

18. Associação Morada de Minas Gerais

19. Associação Nicanor dos Santos de Luta pela Moradia

20. Associação para o Desenvolvimento Comunitário e Habitacional do Bairro Granja de Freitas

21. Associação por Moradia do Bairro Engenho Nogueira e Região de Belo Horizonte

22. Associação União Força e Vitória de Venda Nova

23. Brigadas Populares

24. Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais

25. CECOMPDC – Taquaril

26. Centro Cultural, Social e de Arte Popular Providência e Jardim Guanabara

27. CMAR Comissão Mães do Anel Rodoviário

28. Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG

29. Comunidade de Moradores em Área de Risco

30. DAEA – UFMG

31. Fórum de População de Rua de BH

32. Fundação IBI Tecnologia Alternativa

33. Grupo Organizado dos Moradores e Usuários Jardim América

34. Habitar – Associação Comunitária Habitacional Popular

35. IAB – MG – Instituto dos Arquitetos do Brasil (Núcleo – Minas Gerais)

36. ICPP – Instituto Educacional para Conscientização e Realização de Políticas Públicas

37. IMM – Instituto Minas Moradia

38. MAM-BH – Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte

39. MLB – Movimento de Luta dos Bairros Vilas e Favelas

40. MNLM – Movimento Nacional de Luta Pela Moradia

41. MORA-BH ( bairro Ouro Preto)

42. Movimento Mineiro de Habitação

43. Movimento Nacional da População de Rua

44. Movimento Nossa BH

45. Movimento Parque Jardim América

46. Movimento Salve a Mata do Planalto

47. MTD – Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras por Direitos

48. Muitas Pela Cidade Que Queremos

49. Núcleo Amor e Proteção B

50. Núcleo de Habitação Rosa Luxemburgo

51. Núcleo de Moradia Providência e Jardim Guanabara

52. Núcleo de Sem Casa Santíssima Trindade

53. Núcleo Habitacional Camargos

54. Núcleo Habitacional do Bairro São Francisco e Adjacências

55. Núcleo Habitacional Palmeiras e Adjacências

56. Núcleo Habitacional Salgado Filho e Adjacências

57. Núcleo Habitacional São Gabriel e Adjacências

58. Núcleo Habitacional São Pedro

59. Núcleo Habitacional São Salvador e Adjacências

60. Núcleo Habitacional Vila Maria

61. Núcleo por Moradia do Bairro Aparecida e Adjacências

62. Núcleo Pró-Moradia Esperança do Bairro Suzana

63. Nuhac-MG – Núcleo Habitacional Central de Minas Gerais

64. NUSFRAX – Núcleo dos Sem Casa São Francisco Xavier

65. Pastoral de Rua da Arquidiocese de BH

66. Pastoral Metropolitana dos Sem Casa

67. Quilombo dos Luízes

68. Sindicato dos Arquitetos de Minas Gerais

69. SINTAPPI-MG – Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Assessoramento, Pesquisas, Perícia, Informações e Congêneres De Minas Gerais

70. Tarifa Zero