Tarifômetro revela ganho dos empresários de ônibus e cobra auditoria

Plataforma lançada pelo Tarifa Zero BH monitora faturamento das empresas de ônibus, que só neste ano bateu a marca de R$ 1 bilhão. Movimento cobra auditoria mais rígida do que a proposta do prefeito Alexandre Kalil


por Lucas Simões

 

Foto: Isis Medeiros/Jornalistas Livres

Quase um ano após a prometer abrir a “caixa preta” das empresas de ônibus de Belo Horizonte garantindo não haver reajuste das passagens antes disso, o prefeito Alexandre Kalil (PHS) ainda não tirou sua promessa do papel. Na metade do mês de dezembro, quando o preço das passagens tradicionalmente é reajustado a contragosto da população, o movimento Tarifa Zero BH aproveitou o período para lançar o site Tarifômetro do Busão. A plataforma permite acompanhar em tempo real o faturamento das empresas de transporte coletivo na capital mineira, além de cobrar a auditoria definitiva em todos os consórcios de ônibus da cidade.

O Tarifômetro do Busão atualiza os ganhos das 40 empresas que controlam todas as linhas de ônibus em Belo Horizonte, por meio de quatro concessionárias. Até agora, entre janeiro e dezembro deste ano, o faturamento conjunto dessas empresas ultrapassou a cifra de R$ 1 bilhão. A ferramenta online será apresentada à imprensa nesta quarta-feira (13/12), em coletiva no Centro de Referência da Juventude, a partir das 11h. O lançamento do site acontece a partir das 18h, no Viaduto Santa Tereza. Desde esta segunda-feira (11/12), porém, a plataforma já está disponível para consulta neste link: www.tarifometrobh.com.br

O levantamento das informações só foi possível graças a um cruzamento de dados públicos da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), envolvendo número médio de passageiros por dia, valor da passagem (atualmente em R$ 4,05) e a quantidade de dias de circulação do transporte por ano. “Nós adoraríamos conseguir calcular o custo ideal da passagem, mas, para isso, precisamos dos dados de quanto as empresas ganham e quanto custa o transporte de ônibus a elas. Isso é abrir a caixa preta”, diz Juliana Afonso, integrante do Tarifa Zero BH.

 

Foto: Reprodução/Twitter

Em julho deste ano, sete meses após assumir a prefeitura, Kalil usou o Twitter para dizer que “se não abrir a caixa preta do transporte, ninguém mexe em preço de passagem. Azar da burocracia e dos empresários de ônibus”.

 

Em março, a BHTrans chegou a abrir consulta pública para contratar uma auditoria para inspecionar as contas e contratos das empresas de ônibus. Pelo menos 54 propostas foram recebidas pela empresa, em um processo com custo estimado de R$ 2,2 milhões. Porém, no dia da divulgação do resultado, 9 de outubro, uma liminar do juiz Wauner Batista Ferreira Machado, da 1ª Vara dos Feitos da Fazenda Pública Municipal, barrou a continuidade do processo, após acatar uma ação popular do estudante Evandro Luis Alves. Como não houve publicação do edital no Diário Oficial do Município, o juiz entendeu que o certame deveria ser cancelado “para que seja verificada a plena legalidade da sua instauração”.

Nesse contexto, outro crítica do Tarifa Zero é o fato de o edital da Prefeitura prever a utilização das mesmas metodologias adotadas na auditoria realizada a pedido do ex-prefeito Marcio Lacerda, em 2014. À época, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) conseguiu barrar temporariamente o aumento da passagem de R$ 2,65 para R$ 2,85, ao mover ação questionando a auditoria feita pela empresa Ernst & Young, contratada pela PBH. Segundo a denúncia do promotor Eduardo Nepomuceno, a auditoria teve várias inconsistências, como a “utilização de dados vagos da internet, sem fontes explícitas”.

Além disso, a proposta de Kalil engloba uma auditoria apenas entre os anos de 2013 e 2017, nas quatro concessionárias de ônibus que controlam as 40 empresas atuantes na cidade, além da Transfácil, responsável pela emissão da bilhetagem eletrônica. 

Para o Tarifa Zero, não é o suficiente. “Um ponto é que nós exigimos uma auditoria correta, não tendenciosa. Outro é que essa auditoria tem que ser feita desde 2008, quando começou o contrato dessas atuais empresas de ônibus de BH (ainda na gestão do então prefeito Fernando Pimentel). E não a partir de 2013. Na emissão de bilhetes eletrônicos, por exemplo, se você comprar um cartão e não usar os créditos em três meses, esse dinheiro fica para a empresa. E não sabemos o lucro que vem daí também. É mais um questionamento”, critica Juliana Afonso.

Neste link (https://goo.gl/Kc9orL) você pode visualizar as informações básicas referentes às 40 empresas de ônibus que formam os quatro consórcios atuantes na capital mineira.

O último aumento de passagens de ônibus em Belo Horizonte aconteceu literalmente na virada do ano, em 31 de dezembro de 2016, quando o então prefeito Marcio Lacerda (PSD) sancionou o aumento de 9,4% da passagem, um dia antes de deixar o cargo. A tarifa das principais linhas passou de R$ 3,70 para os atuais R$ 4,05, se tornando uma das mais caras do Brasil. 

 

Foto: PBH/Divulgação

Sem abrir a caixa preta das empresas de ônibus, o atual prefeito Alexandre Kalil iniciou, no fim de outubro, a troca coletivos da cidade por ônibus com ar-condicionado. Até o fim de dezembro, pelo menos 300 novos veículos devem substituir parte da frota, até que os 2.849 coletivos da cidade seja trocados gradativamente. Apesar da medida, segundo a BHTrans, ainda não há data certa para a divulgação de nova licitação para instaurar uma auditoria nas empresas de ônibus.

Investigações

Pelo menos nos últimos três anos, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) questiona os sequenciais aumentos das passagens de ônibus em Belo Horizonte e no Estado, alegando indícios de fraudes, formação de cartel entre empresas e pagamento de propina a políticos. Desde 2015, o atual governador Fernando Pimentel (PT) é investigado pela Polícia Federal, suspeito de recebimento de propina, no âmbito da Operação Acrônimo. 

Segundo a denúncia da PF, como então prefeito de Belo Horizonte, Pimentel teria recebido R$ 635 mil do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (Setra). A entidade representa as 40 viações de ônibus da capital mineira, todas contratadas na gestão de Pimentel pelo período de 20 anos. Nesse tempo, a previsão de faturamento das empresas foi de R$ 10 bilhões.

 

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Documentos obtidos pela PF revelaram que empresas de fachada prestavam supostos serviços de consultoria para os empresários de ônibus, mas os pagamentos eram direcionados a Pimentel. Conforme a denúncia, os repasses de dinheiro eram feitos através de Paulo de Moura, ex-presidente da Companhia de Tecnologia da Informação de Minas (Prodemge) e responsável pelos contratos de licitação das empresas de ônibus, e pelo ex-secretário da Casa Civil do Governo, Marco Antônio de Rezende. Os dois teriam agido para favorecer o Setra nos processos licitatórios. Apesar das denúncias, Fernando Pimentel nega todas as acusações.

Interior e capital

Em maio do ano passado, Roberto José de Carvalho e sua filha Juliana Campos Carvalho Schettino foram apontados pela Polícia Federal (PF), no bojo da operação Mar de Lama, como cabeças de um esquema de pagamentos de propinas a vereadores e servidores da cidade do Rio Doce, na Zona da Mata, para que a empresa de ônibus da família, a Empresa Valadarense de Transporte Público Coletivo, tivesse preferência nas licitações do município.

Carvalho também é controlador da Rodopass e da Urca Auto Ônibus, ambas concessionárias de ônibus atuantes na região Oeste da capital mineira. Em Divinópolis, ele ainda é dono da empresa de ônibus Trancid. Mas, segundo a PF, como as investigações ainda não foram concluídas, por enquanto, não foram apontados crimes ou ilegalidades nos processos licitatórios da capital mineira ou de outras cidades do Estado. Em março deste ano, Carvalho ganhou habeas corpus do STF, ao alegar problemas de saúde. Desde então, ele responde ao processo em liberdade.