Aquele 31 de Março

Alberto Villas

Estávamos nos despedindo de Brasília naquele 31 de março de 1964. Meu pai, minha mãe, meus quatro irmãos e um cachorro vira-lata chamado Tupi.

Depois de dois anos instalando o Serviço de Meteorologia no planalto central do país, o meu pai estava de volta a Minas Gerais, mais precisamente Belo Horizonte.

Ele gostava de pegar a estrada cedo, no início da madrugada. No final da noite, ele preparou a Rural Willys vermelha e branca e colocou dentro dela, todas as coisas que ainda restavam no nosso apartamento.

Duas da madrugada, partimos. Ao passar na Esplanada dos Ministérios, minha mãe avistou um senhor de terno caminhando na grama verde da cidade, levando consigo uma pasta 007.

O meu pai diminui a velocidade, foi quase parando quando identificou José Ermírio de Morais, o ministro da Agricultura, seu chefe. Parou de vez. Ofereceu carona e o ministro aceitou.

Minha mãe pulou pra parte de trás da Rural e se juntou aos cinco meninos e ao cachorro, já meio espremidos naquele banco de couro vermelho.

Foram poucas palavras, até o meu pai deixar o ministro na sua superquadra. Havia uma tensão no ar. O ministro cochichou com o meu pai durante o trajeto e ele evitou espalhar a notícia ali dentro daquela Rural.

Só ficamos sabendo quando José Ermírio de Morais desapareceu, subindo as escadas do seu prédio de pilotis.

– Jango caiu!

Foi o que o meu pai nos disse naquela madrugada, estrada afora. Rodamos uns cem quilômetros e lá longe, minha mãe avistou um comboio de caminhões e tanques verde-oliva. Vinham no cantinho, quase no acostamento, devagar e sempre e no sentido contrário, rumo a capital federal.

Passamos por eles em silêncio e assustados, seguimos viagem. No primeiro posto que o meu pai parou, o frentista deu mais notícias, avisando que certamente não teríamos gasolina suficiente para chegar a Belo Horizonte, porque os postos estavam fechando.

Medo.

O meu pai tinha um galão de gasolina no bagageiro, 677 quilômetros à frente e doze horas de viagem. Acabamos  chegando em casa.

O Repórter Esso estava dando edições extraordinárias a todo momento e o meu pai pedia silêncio cada vez que entrava a música do telejornal.

Tinha eu 14 anos de idade, quando essa noite que durou vinte e um anos começou. Foram muitas noites mal dormidas revirando na cama, muitos pesadelos assustadores e sonhos de, algum dia, recuperar a liberdade.

 

 

Alberto Villas é jornalista e escritor. Tem nove livros publicados e atualmente é cronista da Carta Capital, comentarista do blog Nocaute, de Fernando Morais e piloto do blog VillasNews. Morou em Paris nos anos 1970 e teve 68 reportagens escritas para o jornal Movimento, proibidas pela censura durante o regime militar.