Negar o golpe é tentar mudar a história

Algumas correntes negam que houve golpe militar no Brasil, outras tentar revisar os acontecimentos e mudar alguns conceitos já estabelecidos. Mas o importante é que o brasileiro se importe.


Por Leticia Villas

Revisionismo
substantivo masculino
1. atitude de quem discorda de uma doutrina ou soergue uma discussão em torno da mesma.
2. atitude daqueles que tendem a rever antigos valores artísticos ou literários.

 

Negativismo

substantivo masculino

disposição, espírito de negação sistemática; tendência a dizer não, a recusar ou refutar, sempre ou quase sempre, ideias, solicitações, propostas, orientações etc.

Existe uma grande diferença entre estes dois termos. Mas os dois acontecem no Brasil de 2019 em relação ao golpe que houve no Brasil em 1964 e à ditadura militar que se implantou depois dele e durou mais de 20 anos.

O professor titular de história do Brasil do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Laboratório de Estudos sobre os Militares na Política da mesma universidade, Renato Luís do Couto Neto e Lemos, acredita no Brasil a maioria da população não segue nenhuma das correntes. “Grande parte dos brasileiros não tem consciência, houve um processo muito grande de despolitização da população inclusive por causa da ditadura”, afirma.

Para ele, a geração que veio após a Constituição de 1988, que tem hoje entre 25 e 35 anos, está atuando na política, mas agem menos com a razão e mais com o fígado. E existe também a exploração emocional da população despolitizada.

O professor da UFRJ afirma que não existe grande revisionismo em relação ao golpe de 64. “Houve uma ruptura social golpista no Brasil naquela época que rompeu com o Estado Democrático de Direito, existe este conhecimento histórico”, diz. Ele explica que há divergências entre os historiadores em alguns pontos. Uma corrente defende que não houve ditadura entre 1964 e 1968, apenas após a decretação dos Atos Institucionais, com o fechamento do congresso, retirada de direitos constitucionais, entre outros. Outro grupo afirma que a ditadura militar acabou em 1979, com o começo da reabertura.

Isto é o revisionismo, é a revisão de um conhecimento já estabelecido.

Mas também existe o negacionismo, que há muito entre os militares que têm identificação com a ditadura. “Eles negam uma série de acontecimentos da época e para isso fazem falsificações como reafirmar o perigo da ameaça comunista que já não existia com João Goulart, que era um burguês e nunca teve este programa, como não há hoje. A outra é que as forças armadas cumpriram seu dever constitucional e que o presidente estava fora do Brasil. Jango só viajou no dia 4 de abril”, explica Lemos. “Eles falam apenas em ‘excessos’, mas a tortura era uma política de Estado. (O General Ernesto) Geisel já reconheceu, em documentos descobertos recentemente, que mandava torturar e matar e isso o discurso atual tenta mascarar”.

Outro aspecto de quem diz que não houve golpe é alegar que houve apoio civil e isso é realmente verdade. Historiadores não negam que parte da sociedade civil estava envolvida, especialmente a camada média e os empresários, e a ditadura se sustentou com isso, mas não era a maioria da população brasileira.

O professor Lemos diz que é possível dizer que houve um “golpe empresarial-militar” em 1964, que conspirou contra Jango. Quem definiu o processo foram os setores empresariais nacionais e internacionais. “Na década de 60 o país vivia um momento complexo com grande desenvolvimento industrial, compromissos sociais e internacionais importantes, mas foram necessários pelo menos 3 anos para se viabilizar. O movimento começou em 1961, após a posse, mas não foi possível porque não havia consenso entre os setores civis”, afirma.

Para ele, os momentos são muito diferentes. Hoje existe uma situação que pode se aproximar daquela de 64 que é a questão da crise. O cenário político no Brasil – consequência de uma longa crise econômica, associada com a questão da corrupção com a despolitização de grande parte do país – abre espaço para um projeto “salvacionista”, que foi vitorioso com Jair Bolsonaro.

O professor Renato Lemos acredita que hoje a questão central é a revisão interpretativa do que é a negação ideológica existe. “Hoje temos uma declaração de valores baseada em mentiras”, finaliza.